Na primeira metade do século XX, a indústria automobilística
representou o suprassumo do capitalismo produtivo e da tecnocracia, que
fomentou o desenvolvimento de vários outros setores, principalmente a indústria
de base. Os setores industriais contribuíram fortemente para o crescimento das
cidades e com apoio do estado ampliam estradas, abriram rodovias, fortaleceram
o comércio e serviços, além de desenvolver as pequenas oficinas e fábricas.
Mas, na segunda metade deste século XX, os setores industriais começam a sofre
sua derrocada. O capital passa a transferir sua vertente produtiva para uma
vertente financeira que não exige custos com matérias-primas, instalações
físicas complexas, maquinários e mão de obra. Inicia-se a desindustrialização.
O processo de desindustrialização teve seu marco a partir dos anos 80, coincidindo com a globalização e o fim do regime socialista no leste europeu. Época da queda do muro de Berlim e pouco depois o fim da URSS. A velha indústria não encontra mais fôlego para sobreviver, diante das grandes inovações tecnológicas e da robotização.
A indústria automobilística é um
exemplo real desses novos tempos, ao passo que substitui trabalhadores por
robôs capazes de realizar todo trabalho de fabricação e montagem dos
automóveis.
O mesmo ocorre em outros setores
industriais, e tal fato obriga o operário a buscar novas formas de resistir à
desindustrialização, indo então para o setor de serviços ou comércio sujeito a
ganhar um salário bem menor. Portanto, a desindustrialização reflete
diretamente no poder dos sindicatos e associações de trabalhadores que perdem
seu poder de negociação e até mesmo sua desintegração enquanto representante da
classe trabalhadoras. Conforme Camargos (2009, p.112) a falência do modelo
desenvolvimentista por parte do Estado e a abertura econômica que permitiu a
entrada do neoliberalismo e da globalização representou um movimento denominado
"desestruturação produtiva" que foi amplamente deletéria para
economia do país.
Essa "desestruturação
produtiva", que na verdade trata-se do fim do capitalismo produtivo,
afetou diversos setores da economia, culminado no fechamento de grandes
empresas, algumas pertencentes aos setores de ponta, tais como: automotivo,
alimentação, têxtil, eletroeletrônicos. O fim da industrialização,
principalmente num país como o nosso, traz enormes consequências para o
desenvolvimento social, gerando desemprego e ampliando as desigualdades
sociais.
Os sindicatos e associações de
trabalhadores de alguma forma tiveram um certo protagonismo na tentativa de
protelar os danos causados pela "desestruturação produtiva". Na visão
de Camargos (2009, p.171) O movimento sindical foi capaz de impedir o
agravamento do arrocho salarial, num cenário macroeconômico caracterizado por
elevadas taxas de inflação.
A autora ainda afirma que o
sindicalismo brasileiro contribui para afirmar a cidadania política dos
trabalhadores e aproximá-los de suas entidades representativas (CAMARGOS, 2009,
p.171).
As forças do capital ao desmontar sua
estrutura produtiva, para entra de vez no modelo financeiro trouxe grandes
danos para representatividade dos trabalhadores. A mesma opinião é corroborada
por Camargos (2009, p.169) ao dizer que a:
dificuldade da representação sindical atuar num espaço
mais amplo e ter suas ações limitadas que decorre das profundas desigualdades
socioeconômicas existentes no país e da histórica desconexão entre crescimento
econômico e distribuição de renda, que dificultam a mobilização dos
trabalhadores.
Com isso, podemos falar que existe
neste contexto toda uma herança histórico-cultural, pautada nas raízes
escravocrata que impede toda organização de luta por parte dos trabalhadores.
Alia-se também a esta falta de organização dos trabalhadores a própria
desestruturação do sistema de produção provocado pelo capitalismo financeiro,
que deu lugar ao antigo sistema fabril.
A desindustrialização abre enormes
precedentes para entrada do capitalismo financeiro, a qual os grandes
investidores não se preocupam com a produção de mercadorias, mas sim com a
geração de lucros através dos juros e dividendos obtidos pela aquisição de
ações e títulos que os remuneram.
As relações de trabalho tornaram-se
precárias com a expansão do capitalismo financeiro, situação em que os
sindicatos perderam sua força de negociação a partir do fim do século XX, que
estende-se até o momento. Há uma queda real dos salários e os seus instrumentos
de valorização ficaram prejudicados. O processo produtivo não é mais a lógica
do capital, mas sim o capital financeiro.
Nos países desenvolvidos a
desindustrialização não tem sido tão traumática, pelo fato de ter uma população
mais escolarizada. Neles o fim da indústria como conhecemos, se fez com a
compensação das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), além do
fortalecimento de empresas desenvolvedoras de aplicativos e softwares baseadas
em redes e na internet.
As tecnologias de informação e
comunicação (TICs) se baseiam especificamente em serviços torna-se o principal
meio para criação de novas frentes de trabalho, absorvendo grande parte da mão
de obra da antiga indústria. Na tentativa de responder ás necessidades desse
novo mercado as universidades e escolas técnicas procuram adequar seu ensino
com vistas para essa nova realidade tecnológica e formar profissionais voltados
para esses setores. Os países desenvolvidos saíram na frente nessa corrida tecnológica
e passaram a deter a maioria de todas patentes, direitos autorais, direitos de
marca, dispondo de mecanismos de proteção contra a produção por outros países
de suas descobertas científicas. Tudo isso traz um ganho muito maior que os
antigos métodos fabris de produção.
Agora o mundo entrou no que chamamos
da era da economia da informação e conhecimento. O que prevalece nesta economia
da informação e conhecimento é a capacidade de o trabalhador ter competências
intelectuais e não mais a força física, ser capaz de pensar os problemas da
empresa, solucioná-las e tomar as decisões mais assertivas. Não existe mais
lugar para o trabalho braçal, que não exige escolaridade e educação formal.
Todos nós agora seremos pagos para pensar e resolver problemas. O mais
interessante desta nova economia, denominada de economia da informação e
conhecimento, é o fato dela conseguir aliar muito bem o capital financeiro e
tecnologia da informação, criando um novo conceito em termos de capital e
trabalho.
As grandes mudanças no mundo do
trabalho foram bastantes negativas para o trabalhador, que perdeu sua condição
de estabilidade e trabalho integral. Na obra: O imaterial, de autoria do
filosofo Austríaco André Gorz (2005, p.24) as grandes corporações americanas
remodelaram totalmente seus quadros de pessoal, onde mais de 90%, segundo o
autor, absorve uma massa variável de colaboradores externos, substitutos,
temporários e autônomos. A grande maioria são profissionais com alto grau de
escolaridade e conhecimento. Esse tipo de vínculo desonera essas grandes
empresas de encargos trabalhistas, indenizações e licenças, indicio claro da
precarização do trabalho. Para Gorz (2005, p.26) isso representa a produção do
si mesmo, dentro de uma perspectiva em que tudo transforma-se em mercadoria,
tendo como medida o dinheiro – isso é o mais puro neoliberalismo.
Assim nasce o trabalhador do século
XXI, que está o tempo inteiro conectado a uma plataforma tecnológica de rede,
que nela se produz conteúdo muitas vezes sem remuneração para torná-la mais
eficaz, produtiva e geradora de receitas. Portanto aqui colocamos o conceito de
monetização, quando essas plataformas de rede torna-se lucrativa, à custa de
uma mais-valia proveniente do usuário conectado em tempo integral, e, no
entanto, não recebe nada por utilizá-la e com ela interagir. Trata-se de uma
troca injusta de via - única, em que apenas a plataforma obtém lucro. Quanto ao
resto, não passam de usuários que alimentam o sistema com seus conhecimentos e
muitos desejos de consumo.
Dessa forma trabalhamos no modelo
24x7, nem nos damos conta disso. Fomos completamente afastados do mundo real,
produtivo e dotado de direitos sociais, trabalhistas e políticos. Será que
viramos máquinas, zumbis ou qualquer coisa do gênero e por isso nos tornamos
menos humanos do que éramos quando havia o mundo fabril.
Talvez, nos transformamos numa
espécie de homem-máquina, um ser híbrido, um androide, algo que certamente não
gostaríamos de ver diante de um espelho. Certamente perderíamos a capacidade de
desconectarmos e usufruir daquilo que restaria da natureza, por não sermos mais
humano.
Será que essa nova economia, cujo sua
base é a informação e o conhecimento, nos encetou de vez para a
contemporaneidade ou simplesmente fomos enganados pela tecnologia que nos
dominou, criando um mundo virtual, irreal e dotado de ilusões. Vejam como os
aplicativos nos escravizam, trabalhamos quase de graça ou sem qualquer
remuneração para que elas sejam cada vez mais eficientes em nos tornar
dependentes, tecnologicamente falando. Cada vez mais cresce o número de
moto-entregadores, motoristas de aplicativos, Youtubers, programadores,
analistas de dados, criadores de conteúdo que precisam correr dia e noite para
monetizar-se e obter algum ganho exigido pelo aplicativos.
Do outro lado, encontram-se os
criadores, empreendedores, investidores que irão fazer desses aplicativos,
sistemas e softwares seu meio de produção, a qual irão lançá-los no mercado
financeiro. Alguns desses projetos poderão se realizar e vir a ser uma grande
"start up" que abrirá seu
capital e terá suas ações negociadas na Bolsa de Valores, pagando juros e
dividendos para os investidores. Outras, não terão a mesma sorte e vão morrer
antes mesmo de alcançar o sucesso.
Francamente, dizer que o capitalismo
seja ele produtivo, improdutivo ou qualquer outra denominação que tenha, jamais
foi natural, sendo tal afirmação uma grande bobagem. Digo mais, o capitalismo é
um produto do homem, uma criação humana, da mesma forma que criamos Deus, ou
para aqueles que apostam na religião somos uma criatura divina concebida pelas
mãos de Deus.
Se o capitalismo retira da natureza
os bens naturais, sejam eles quaisquer sejam: metais, minerais, água, terra,
madeira é o transforma, modela e assim cria produtos (mercadorias) para obter
lucro por meio do dinheiro (equivalente universal) como forma de facilitar as
trocas. Jamais poderíamos pensar o capitalismo como algo natural nascido da
força divina ou que brota das entranhas do solo. Pois, a mão do homem não tem
capacidade de criar coisas naturais, nem mesmo em pensamento.
Nos cabe apenas, a capacidade de
modelar os elementos da natureza em coisas. Isto, desde dos tempos antigos, medievais
e talvez mais longínquo aos homens sapiens ou neandertais que desenvolveram a
capacidade de fazer das pedras facas e lanças para obter alimentos.
Realmente acredito que o capitalismo
mereça uma revisão profunda em suas estruturas, por conta de suas crises
constantes provocada pelo "homem-economicus". Um primeiro aspecto que
exige essa revisão está no fato de apropriarmos dos recursos naturais e dele
criar mercadorias, submetendo os homens numa condição de proletário, com isso
exploramos sua força de trabalho para retirar o máximo de lucro.
Num segundo momento, este com aspecto
mais tecnológico e dotado de dispositivos, aplicativos e todo aparato de rede
impõem a sociedade um falso conhecimento, o que impera é a mais completa
alienação diante da dominação do intelecto. Se vive num mar de desinformação
contida nesses aparatos.
Mesmo com tanto avanço tecnológico,
inovação e desenvolvimento de aplicações de ponta, não conseguimos debelar o
principal problema que aflige a humanidade - ela - a desigualdade social, que
mata milhões de fome pelo planeta, que gera problemas crônicos de saúde, que
impede milhões de crianças frequentar uma escola. A grande maioria da população
do planeta sobrevive na mais completa miséria. Volto a insistir que a fome, a
falta de política básica de saúde, desemprego e a falta de urbanização das
comunidades carentes como as favelas do rio de Janeiro, Índia, África do Sul é
uma endemia política gerada pela falta de um Estado. Mesmo Estado que faz
locupletar as grandes corporações. Ainda assim, não vamos nos esquecer, temos
os países da África em que milhões de crianças morrem por desnutrição e doenças
parasitárias.
Com o empobrecimento do mundo em
geral, devido ao desemprego causado principalmente pela desindustrialização, a
presença do Estado neste momento nunca foi tão necessária, justamente para se
criar uma política de renda básica capaz de prover as necessidades mínimas da
população economicamente inativa, ou seja, aqueles que não tem emprego.
Assistimos nestes últimos tempos um
enorme contingente de pessoas que sobrevivem na informalidade e no subemprego.
Encontra-se nessa situação vendedores de balas, flanelinhas, lavadores de
carros, vendedores de comida de rua, além de outros que antes era visto apenas
em grandes centros urbanos, mas a situação já é uma realidade em cidades médias.
Muitos deles vivem na própria rua, por não terem capacidade de pagar o aluguel
de um imóvel.
A ideia da renda básica universal,
que é consenso entre vários economistas e parte dos políticos de esquerda no
mundo seria um a solução viável para mitigar as desigualdades sociais e ao
mesmo tempo contribuir para girar a roda da economia e do consumo. Porém
assistimos o contrário, vemos o Estado se eximir de suas responsabilidades com
o social e entregar suas riquezas para as mãos do capital. Trata-se do Estado
mínimo, que não tem nenhuma pretensão de criar políticas públicas e nem mesmo
serviços de utilidade para a população.
A palavra do Estado neoliberal é
uníssona, não gastar e deixar que a iniciativa privada ofereça seus serviços à
sociedade. Portanto, ao lidar com a iniciativa privada, o Estado fornece todo
seu aparato, sobretudo se existe intenções eleitoreiras envolvidas.
Dessa maneira vamos sobrevivendo à
instabilidade social, o tédio de conviver com a iniquidade imposta por uma
democracia representativa, um tanto capenga, que a cada 4 anos elege mais do
mesmo - seja de esquerda ou de direita - cuja função destes representantes é
fazer o jogo do capitalismo e arreganhar-se para o neoliberalismo. Estamos em mundo
cansativo, indolente, que se arrasta não para lutar e mudar os "status quo", mas sim para ficar
estático, apático e alheio ás mudanças.
Nesse intervalo, a renda se desloca
de forma ascendente para uma minoria pertencente as elites, que abocanham com suas
bocas largas o grosso de quase toda renda per capita, ou seja, de tudo aquilo
que o trabalhador produz mesmo sem indústria. Enquanto, a grande maioria da
população, uma massa amorfa, seca, pálida não fica nem com 20% da renda gerada
pelo seu próprio suor. A desigualdade na divisão da renda per capita do país e
abissal. Por isso temos um capitalismo tão selvagem, em que uns pouquíssimos
dominam toda a riqueza produzida, de outro lado aqueles milhões que morrem de
fome.
Possivelmente, fica a dúvida a respeito
da crise do capitalismo. Sendo que a indústria farmacêutica, por exemplo, tem
lucrado tanto com as patentes de medicamentos. Até mesmo a indústria
automobilística modificou seu modelo de negócio, passando a não mais lucrar com
a venda de veículos somente, mas obter retorno com o financiamento e cobrança
de juros. Isso demonstra a enorme capacidade de mutação do capitalismo, indo do
produtivo para o improdutivo, entrando num ciclo do capital financeiro e
cognitivo. Essa capacidade de mutação não restringe somente ao capitalismo,
pois é visível nas pessoas e nas cidades.
CAMARGOS, Regina Coeli Moreira. Negociações coletiva: trajetórias e
desafios. Belo Horizonte: RTM, 2009. 178p.