Para Marx valor implica em tempo de
trabalho social que é utilizado para a produção de mercadorias que será
colocada num mercado para posterior venda por um determinado preço.
De acordo com as ideias colocadas por
Harvey em seu livro, o valor é uma relação social, sendo o dinheiro:
A representação e expressão máxima dessa relação social. [...] dessa
forma o autor descreve que o capital é o valor em movimento, onde parte dele
vem na forma dinheiro para aquisição de mercadorias específicas como força de
trabalho e meios de produção (HARVEY, 2018, p.21).
A multiplicação do capital se realiza
através da produção, ou seja, do excesso da força de trabalho do trabalhador -
que gera mais-valia - o lucro dos donos dos meios de produção.
O poder estatal em certas ocasiões
pode assumir um relevante papel como agente econômico e social. Fato que Harvey
corrobora quando diz que:
O Estado exerce uma influência considerável por meio da demanda efetiva
comandada por ele, adquirindo equipamento militar, gestão e administração
burocrática. Também executar atividades produtivas, em particular no que diz
respeito a investimentos em bens públicos e infraestrutura física coletiva,
como estradas, ponte, portos, aeroportos, abastecimento de água e sistemas de esgoto
((HARVEY, 2018, p.28).
Todavia, esse aparato estatal não atende de fato as necessidades mínimas
da maioria da sociedade. Pelo contrário, toda a infraestrutura foi criada
justamente para subsidiar os desejos da iniciativa privada. Os aparelhos de
segurança e vigilância estatal servem a elite para reprimir ações e movimentos de
cunho popular e social. Com isso, o Estado na visão de Harvey (2018, p.33) pode
se tornar uma força motriz na acumulação, nas medidas em que tem uma influência
poderosa sobre a demanda efetiva por equipamento militar, tecnologia de
policiamento e vigilância e uma variedade de controle social.
Com objetivo de desenvolver seus
projetos, políticas e programas o Estado tem recorrido a grandes bancos
nacionais e internacionais, além de pessoas físicas por meio de títulos. Estes empréstimos
contraídos pelo Estado, segundo Harvey (2018, p.37) tem contribuído na promoção
de inovações e mudanças tecnológicas.
Quando Marx aponta no Capital às
questões ligadas ao trabalho e capital, o seu objetivo talvez seja desmontar
conforme as palavras de Harvey (2018, p.36) a visão utópica do capitalismo de
livre mercado defendidos pelos economistas da época, sendo que o capitalismo
para Marx apresenta grandes consequências distópicas.
O capital fictício denominado por
Marx seria aquele proveniente do capitalismo financeiro, meramente
especulativo, do dinheiro produzindo mais dinheiro, através dos juros. Dessa
forma, Harvey (2018, p.49) aponta muito bem ao falar que a alavancagem
financeira realizada pelos bancos serve para emprestar ativos... assumindo a
forma de dívidas.
Sobre as sociedades anônimas (S/A)
que são empresas de capital aberto que emitem ações nas bolsas de valores,
Harvey faz uma pequena narrativa para endossar o porquê de tanto lucro. Assim
ele inicia sua fala:
Os acionistas exigem um retorno sobre os investimentos do
capital-dinheiro, e a gestão reivindica sua parte, em troca da organização
ativa da produção. Uma classe de acionistas e investidores (capitalista
monetários) procura ganhos monetários decorrentes dos investimentos de
capital-dinheiro à sua disposição. Essa classe acelera e comprime a conversão dos
dinheiros em capital- dinheiro. Mas, ativo é o capital fictício que foi criado
no sistema bancário e emprestado a terceiros com capital de juros circulante.
(HARVEY, 2018, p.51).
Na mesma linha de Harvey, Piketty
busca desvendar os pensamentos de Marx e suas investidas intelectuais contra os
desmandos do capitalismo. Piketty inicia em seu livro uma interessante
narrativa que envolve Marx e David Ricardo. Nessa citação o autor apresenta
que:
"No século XIX, dois economistas: David Ricardo e Karl Marx
defendiam que apenas um pequeno grupo tinha privilégio aos se apropriarem de parte
da renda e da produção. Para Ricardo esse grupo representavam os proprietários
de terra (latifundiários) ao passo que Marx apontava os capitalistas
industriais como parte desses grupos". (PIKETTY, 2014, p.13).
Em David Ricardo, quanto em Karl Marx
a exploração do trabalho e a apropriação da riqueza por uma parcela ínfima da
população que se destaca como a mais rica, detentora dos meios de produção é a
principal causadora das desigualdades. A
grande maioria da renda concentra-se nas mãos destes mais abastados. Dessa
forma, o capital satisfaz seu maior desejo que é crescer e se reproduzir. Pois,
o ser capitalista dentro do aspecto das ciências sociais sobrevive apenas
mediante as relações sociais, assim como qualquer outra classe que tem a
necessidade de se relacionar para construir a sociedade. Portanto, o
capitalista também é parte do jogo realizado pelo sistema econômico.
Um outro problema que Piketty nos
mostra é a relação entre os preços e os recursos naturais se utilizados de
forma predatória. Quando aponta que o princípio da escassez preconiza que
alguns preços podem alcançar valores altíssimos ao longo de várias décadas.
Fato que pode desestabilizar a política, a economia, os arranjos sociais e a
sociedade como um todo. (PIKETTY, 2014, p.13).
As cidades europeias do século XIX
estavam cercadas de cortiços, lugares insalubres, da qual conviviam homens,
ratos, baratas e todo tipo de pestes. Estes homens expulsos pela miséria das
áreas rurais agora encontravam o mesmo destino nas cidades, sujeitos as longas
jornadas de trabalho e baixos salários formavam o proletariado industrial.
Segundo Piketty (2014, p.16), tanto David Ricardo quanto Marx basearam seus
trabalhos na análise das contradições lógicas internas do sistema capitalista,
provando que a exploração do trabalhador se dava em tempos distintos, seja no
campo ou em áreas urbanas.
A exploração da força de trabalho
prova que não há limites por parte da elite realizar a acumulação e a
concentração do capital, ficando essa pequena parcela cada vez mais rica. Essa
acumulação que está nas mãos de poucos cria uma enorme desigualdade de classes,
que Piketty (2014, p.21) descreve por uma curva em forma de sino". Tal
curva cresce de início, depois atinge seu pico para depois entrar em declínio
quando os processos de industrialização e desenvolvimento econômico começam a
avançar.
Piketty em seu livro: O capital no
século XXI, aborda dois aspectos importantes ligadas as matrizes econômicas de
cunho marxista, uma é o capital e a outra a renda. Estes dois elementos são
fundamentais para a compreensão do capitalismo e as suas idiossincrasias. O
autor recorre a Marx para explanar seus pontos de vista, dessa forma, ele
define capital como estoque de riqueza que acumulamos no tempo, tais como:
edificações, máquinas, veículos e outros. No que tange ao capitalismo
financeiro, o capital seria representado pela virtualização da riqueza em forma
de ativos financeiros (espécie de dinheiro virtual) que enquadra as ações, títulos,
derivativos e juros colocados na bolsa de valores.
A curva de sino trata-se de uma
distribuição normal dentro probabilidade e estatística que representa uma certa
simetria. Portanto, Piketty (2014, p.14) irá enxergar essa curva no momento em que
a acumulação deixará de existir, mas num nível bastante elevado e
desestabilizador. Na antifragilidade de Nassim Taleb a curva de sino
simplesmente serve em sua convexidade, ou atinge a fragilidade em sua
concavidade (TALEB, 2019, p.346).
Tanto Piketty quanto Harvey buscam
elucidar em suas narrativas, o problema do capital proposto por Marx. Ambos
autores, cada um a seu modo coloca Marx no centro da discussão e transportam as
questões do capital- trabalho para os nossos tempos. O mais-valor, a desigualdade
social, a concentração de renda são questões vigentes, não resolvidas que
saíram dos países desenvolvidos para pousar nas nações de economia emergente e
também aquelas mais pobres do planeta.
As narrativas marxistas continuam
atuais, vivas e pulsam fortemente nas cabeças dos economistas, historiadores e
filósofos - a maioria de pensamento progressista - que compreendem a
necessidade de apontar o capitalismo como grande causador dos problemas
crônicos da desigualdade sócio-econômica.
Mostramos neste artigo diversas
opiniões e ponto de vista que estes dois autores colocam sobre a narrativa de
Marx em relação aos excessos do sistema capitalista. Pois, a maestria do texto
de Piketty, como de Harvey vem elucidar aquilo que Marx já apresentava em suas
obras nos meados do século XIX. Tudo continua tão atual e real.
Particularmente, entendo que valor e
preço são duas grandezas econômicas de natureza distinta. Sendo que, a primeira
orbita na seara do trabalho, mas não qualquer trabalho e sim aquele descrito
por Marx: trabalho socialmente realizado, ou seja, feito pela mão do homem e
dentro de um espaço de tempo. Já a segunda, no caso o preço está relacionado no
âmbito do capital-dinheiro. Concluímos então que preço não é valor.