As vezes tudo me parece tão utópico,
tão distante, como algo que jamais alcançaríamos, mesmo se tivéssemos do outro
lado do rio. Bem, poderíamos de certo modo falar que a utopia cabe dentro
daquelas almas sedentas por justiça, onde todos mereciam o paraíso. Um lugar,
não sei, muitas vezes presente no imaginário dos sonhadores que sonham em que
todos são iguais. Certamente estes estão na margem contrária do rio.
Interessante ver que Utopia foi descrita por Thomas More como uma ilha
distante, as vezes impenetrável a qual cada cidadão desempenha seu papel com
grande competência e certa alegria. Nela o guerreiro é um guerreiro e sabe de
sua importância social. O agricultor, homem da terra reconhece sua função
perante aos outros habitantes. Em Utopia todos estão conectados com a terra, o
ar e água e não envolvidos demasiadamente numa falsa conexão via redes sociais.
O utópico acredita nos valores da
igualdade e na harmonia entres as pessoas. O equilíbrio das forças tem um
enorme sentido quando se é um utópico. Não existe utopia num mundo cuja a
balança do poder, política ou economia sempre tende para um dos lados. A utopia
é um constante vir a ser, uma vontade latente que urra feito um animal feroz para
que tudo vá em direção ao equilíbrio.
A equidade talvez seja o principal
mote do pensamento utópico, ao contrário da igualdade em que todos são
colocados dentro das mesmas leis e direitos. A equidade estabelece uma
reconexão com os desiguais, dessa forma incluindo aqueles que foram excluídos.
A visão de equidade no pensamento utópico promove o nascimento de ideais
progressistas e de democracia participativa.
A democracia participativa,
diferentemente da democracia representativa, é aquela que permite o povo
interagir diretamente nas decisões políticas, por meio dos conselhos instalados
nas cidades e bairros. Nela, o povo tem voz e aponta diretamente as
necessidades de sua comunidade. A democracia participativa é o que mais se
aproxima dos utópicos. No entanto, a democracia representativa, os
representantes eleitos se apossam do poder e atendem as necessidades somente de
seus grupos de interesse, típico do sistema capitalista.
Não há vez para o capital. Utopia não
cede lugar para grandes conglomerados industriais, investidores e capitalistas
que buscam o lucro fácil e criam uma massa proletariada empobrecida. Também não
comporta esse capitalismo financeiro improdutivo, da qual dinheiro gera
dinheiro como num passe de mágica. É muito menos aceita essa nova onda de
trabalhadores por aplicativos.
Diante de tal fato Utopia tornou-se imune
a pandemia provocada pelo vírus da tecnologia em rede e seus habitantes
conseguem facilmente se conectar com as coisas da natureza. Portanto não há
espaço para motoristas de aplicativos ou entregadores de comida via rede. Os
utópicos acreditam na equidade, no equilíbrio e na natureza, tanto que abominam
seres artificiais, imagéticos, que não tenha corpo ou ficam por trás de uma
impondo suas pós-verdades.
Alguns aspectos importantes de sobre
a estrutura política e econômica de Utopia, pode ser observado nas palavras do
próprio Thomas More, assim ele aponta que:
"Em utopia seus habitantes aplicam os preços baixos a suas
exportações e se preocupam com a pobreza não apenas em seu próprio solo, mas
também em outros países, ao doarem aos pobres de cada país importador um sétimo
dos produtos que para lá exportam. Para realizar esse comércio, produzem
excedentes, plantando trigo e criando gado em quantidade superioras duas
necessidades. Quando têm provisões suficientes para dois anos de produtos como
trigo, mel, lã, madeira, grãos, couro, e pele de animais, vendem o excedente a outros
países. Com os ingressos provenientes de suas exportações, importam diversos
bens como ferro, ouro e prata. [...] A criação dessas reservas e a manutenção
de outros países em permanente endividamento fazem parte de sua estratégia de
dominação. [...] A existência de comércio não caracteriza uma expressa abertura
para o exterior, já que a necessidade importação está limitada ao ferro. Por
esta razão, poucos comerciantes vêm a ilha negociar" (MORE, 2004,
p.27).
O pensamento utópico descrito por
Thomas More faz referência ao descaso do capitalismo com o bem-estar da
sociedade e a sua nocividade aos princípios da igualdade. Observamos que Utopia
adota uma estratégia econômica planejada, onde o Estado cria regras claras de
comércio interno e externo para evitar os abusos. Dessa forma, More aponta que:
"onde
existe a propriedade privada, onde o dinheiro é a medida de todas as coisas,
não é possível governar de forma justa e próspera. Não pode haver justiça onde
as melhores coisas da vida pertencem aos piores homens e ninguém pode ser
feliz, onde apenas uns poucos indivíduos repartem entre si todos os bens,
desfrutando de grande conforto, enquanto o resto dos homens vive em deplorável
miséria (MORE, 2004, p.42).
É justamente isso que os utópicos não
aceitam, a desigualdade sócio-econômica. Para eles todos os homens merecem a
riqueza que é produzida e que não vivam a margem da pobreza. Por isso o
capitalismo é visto pelos utópicos como um sistema bestial, desumano por jogar
bilhões de pessoas na extrema miséria.