sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Um pequeno manifesto do "Open Acess"


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"Que toda sociedade possa usufruir do conhecimento e da produção acadêmica  e assim utilizá-la em suas pesquisas. Essa é a forma mais inteligentes de incluir as pessoas num mundo tão tecnológico".

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O digital nasceu para facilitar o trabalho humano em tarrfas e atividades cotidianas. As tecnologias da informação e da comunicação (TICs), os sitemas informacionais, os aplicativos, a inteligência artificial (IA) trouxeram grandes beneficios não só para competividade das empresas, mas tambem na melhoria dos serviços publicos. A tecnologia é produto da pesquisa e do trabalho do homem, assim como as máquinas, as mercadorias que geram valor e alimenta a roda da economia. Os produtos nascidos do digital tem embutido em si o valor do tempo de trabalho, a mais-valia social. 

A criação intelectual, a pesquisa cientifica, a produção acadêmica, como fruto das ideias e do estudo de cientistas, pesquisadores e professores já foi inserido nesse turbilhão devorador da acumulação capitalista. Atualmente, os produtos da pesquisa científica, tais como: papers, artigos de periódicos, estudos de casos e outros são colocados em grandes portais e editoras cientificas e somente disponibilizados para aqueles que podem pagar uma assinatura ou comprar isoladamente um dos produtos. As grandes plataformas e editoras científicas mercantilizam o conhecimento, e assim fazem o jogo do capitalismo cognitivo. A partir do momento em que se fecha o conhecimento acadêmico e a pesquisa científica em poucos players do mercado, o compartilhamento e a disseminação da informação fica completamente prejudicada. Pois, o material científico -  que a princípio deveria ser um bem coletivo e servir a sociedade - torna-se mais um produto do capitalismo. 

O próprio poder público alia-se a estes players do mercado, com advento de legislações que punem aqueles que reproduzem, copiam, utlizam e fazem download desses materiais. Estão no rol dessas legislações: leis de direitos autorais, leis de crimes de pirataria, copyright e outras. Veja que o mundo acadêmico -  produtor de conhecimento - que deveria ser o ambiente primeiro da democracia e da liberadade intelectual, na verdade, é o espaço da repressão e do conservadorsimo. Portanto, a necessidade de irmos na direção contraria dessa repressão intelectual imposta pelos ditames da academia aliada aos produtores de matérias cientifícas, nasce o movimento de luta pelo "open access" que visa a abertura de uma nova economia calçada no coletivismo cientifíco, cujo acesso não seja restrito apenas  às camadas mais ricas da sociedade. Enfim, a produção das pesquisas e estudos científicos deve ser um bem social e aberto a todos. Não cabe mais o modelo atual de produção do conhecimento, pautado na perspectiva capilista, em que a informação tornou-se propriedade de grandes empresas provadas e para obtê-las é necessário pagar. A um custo bastante elevado. 

Sabe-se que o mercado apropria-se  do trabalho intelectual de cientistas,bibliotecários, escritores, pesquisadores e professores, naquilo que Marx denominou de mas-valia, ou seja, a apropriação e alienação do trabalho. Com isso, grandes corporações exploram o trabalho intelectual e dele extraem o lucro. A tecnologia como um todo ampliou essa expropriação e atingiu de forma certeira o espaços do fazer cientifíco, e toda produção intelectual ficou a mercê do mercado. Talvez, o "Open Access" seja o caminho de democratização do conhecimento e da informação, que é gerado pela própria sociedade. Então, è abrir o conhecimento e torná-lo um direito de todos. Dessa forma,  periódicos cientifícos, pre-prints, softwares especifícos desenvolvidos por cientistas e pesquisadores devem sim estar nas mãos de todos aqueles que deles necessitam,seja para trabalhos futuros, para informações e dados. 

Essa era a causa de Aaron Swartz, um jovem hacker ativista, cujo desejo era que a produção cientifíca, o desenvolvimento de aplicativos e softwares fossem disponiblizados a toda sociedade. Que estudantes, acadêmicos, pesquisadores e pessoas comuns pudessem ter acesso às tecnologias, às informaçoes e os conhecimentos gerados por outras pessoas. No entanto, o lobby das grandes corporações  de tecnologias, que visam apenas o lucro fez morrer literalmente suas aspirações. Mas saibamos, líderes, ativistas e ideais não sucubem, ao contrário, se fortalecem, ganham milhões de seguidores e outros ativistas que adotam a sua causa. E assim, permanecem vivos numa batalha constante contra as imposições do capital e do dominio das corporações.

O manifesto de Aaron Swartz permanece vivo e possui milhões de adeptos nos quatros cantos do planeta. A guerra contra a dominação do conhecimento pelas grandes empresas vem sendo amplamente travadas em diversos fronts. O livre acesso já está posta sobre a mesa. Trata-se de um direito fundamental de todos, que anseiam pela ampla difusão do conhecimento e informação. Bem, o "Open Access", ou seja o acesso aberto caminha sobre o futuro utópico, ou talvez distópico das redes.   

               

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Um novo Conflito: tempos estranhos

 

Tempos estranhos, talvez tenebrosos; como não bastasse esse vírus maldito que assolou o planeta no início de 2020 e levou a milhões de mortes, agora nos deparamos com a temporada de guerras. Primeiro, a Rússia abre fogo contra a Ucrânia, em uma deliberada vontade do Putin em dominar territórios e anexá-los ao Estado Russo. Tudo por interesses escusos e assim, manter-se no poder. Enquanto isso a morte e a destruição elegem-se como a vedete do momento, que tem escondido entre suas pernas armas letais.

Bem, nestes tempos sombrios de guerra -  jamais podemos nos esquecer dos muros, sim eles (os muros) – erguidos para distanciar o outro, invisibilizá-los, jogá-los a própria sorte. Tais muros, que separam nações e ao mesmo tempo afastam pessoas, famílias e destroem histórias. Pois é, as construções de muros segregam a paz e matam os ideais. Por isso coloco tal narrativa, justamente para mostrar o quanto é nocivo criar abismos, fronteiras e muros entre os povos. Não querer enxergar o outro, e o mesmo que não ver si mesmo.  Dessa forma, tudo se torna liso, sem barreiras e sem oposição. Mas, do outro lado, há os esquecidos, que estão relegados aos muros. Para eles sobra apenas os espinhos, as farpas, as cercas e os arames. Ali apenas sobrevive-se, não há plenitude na vida.

Digo isso, porque ao se erguer um muro, as rivalidades se afloram, as contestações se ampliam e as revoltas torna-se iminentes. Diante dos muros, tudo fica mais pesado, cansativo e distante, míseros 200 metros transformam-se numa jornada quilométrica; anos-luz de um simples abraço em quem amamos. E, transportar uma girafa de um lado para o outro pode ser uma viagem homérica, árdua e inimaginável.

Na história do mundo moderno, os líderes e governantes preferiram erguer muros, do que pontes, justamente por acreditarem na manutenção do seu poder. Porém, seus tronos sucumbiram miseravelmente. Muros nunca selaram a paz, apenas geraram mais conflitos e guerras.

Essa breve narrativa vem num momento bastante oportuno para nos fazer refletir a respeito do atual conflito Palestina e Israel. Trata-se de uma batalha histórica, com muitos reveses e percalços políticos. Fato que demandaria longas horas de estudos e análises para ser explicado didaticamente.

Como havia dito, esse texto objetiva-se numa narrativa. Portanto, o conflito Palestina e Israel não é um evento recente, data-se após a 2º guerra mundial, com a criação do Estado de Israel em 1948. Deixando um rastro - no tempo -  de milhares de perdas de vidas, destruição e elevação dos ódios. Ao longo do tempo, milhões palestinos jogados na faixa de Gaza, em assentamentos de refugiados, na extrema pobreza (fome, falta de água e altos índices de desemprego) são forçados a sobreviverem num contínuo corredor de miséria, isolados por um muro - sim o muro da humilhação, da vergonha – construído por Israel para apagar o outro da sua visão. O isolamento cria sérias consequências, como: ódio, rancor, ira por não poder pertencer e viver plenamente. Sentimentos esses que abrem precedentes para o surgimento de revolta e protestos, além do aparecimento de grupos radicais como o Hamas, Hezbollah, entre outros. Grande parte desses não nascem como grupos terroristas, mas tornam-se terroristas à medida que são cada vez mais alijados da sociedade ou possuem ideologias extremamente divergentes. Somados a falta de estrutura social, desemprego e a miséria destes assentamentos os jovens são cooptados para aliarem-se a estes grupos. É evidente, se não há perspectiva social e econômica, sobra apenas o terror.

Lógico, nenhum ser humano normal é conivente com mortes, assassinatos ou atos de terrorismo. Pois, nenhuma sociedade consegue se desenvolver chafurdada na barbárie, no terror e na tirania. As ações civilizatórias são construídas apenas por meio de acordos paz e uma ampla rede de direitos humanos. Todo terrorismo deve ser visto como uma ação contraria ao propósito de civilidade.  

A ênfase dessa narrativa está no nascedouro das ações terroristas, sendo que suas práticas se pautam pela negação do outro, pela construção de muros. No caso, o Estado de Israel foi o fato gerador do Hamas, ao invisibilizar o povo palestino e confina-los num campo de refugiados, cercados por grandes muros. Ato causador de descontentamento em grande parte dos Palestinos, que intensificou os grupos de ódio.

O ataque do Hamas (num ato isolado do grupo) não representa uma ofensiva Palestina, para que se abrisse precedentes a uma guerra. Porém, o líder israelense Netanyahu, cujo poder está ameaçado e sua aprovação pelo povo anda em baixa precisa mostrar sua “força” como primeiro ministro. Netanyahu ao atacar os palestinos; cuja maioria de mortes são de civis; principalmente crianças, idosos e mulheres torna-se um criminoso de guerra. O primeiro ministro foi incapaz de celebrar a paz por apenas compreender a linguagem beligerante de poder. Netanyahu errou e ainda erra por ignorar o feito de seus antecessores Yitzhak Rabin, Shimon Perez que junto ao líder palestino Yasser Arafat foram os porta-vozes da paz. 

Netanyahu é oposto deles, quer o conflito, a morte, o ódio. Os mísseis e os ataques sistemáticos na faixa de Gaza demonstram muito bem os objetivos do primeiro ministro de Israel, e é deliberadamente dizimar o povo Palestino, assim como Hitler fez durante a 2ª guerra mundial.  Nem mesmo o povo israelense em sua maioria não aprova essa guerra insana - da qual não podemos chamar de guerra - mas genocídio. O alvo não é e nunca foi o Hamas, e sim o povo Palestino. Netanyahu não terá medalhas de guerra, nem condecorações. Pois é um genocida, assim como Putin na Rússia e aquele que matou quase 700.000 no Brasil por não ter comprado a vacina durante a Covid-19.

terça-feira, 3 de outubro de 2023

Esquerda renovada e reflexiva: uma mudança de paradigma

 

A criação de uma esquerda renovada, mais reflexiva, vem contrapor o status quo vigente, por não mais caber a ideologia partidária, como uma proposta arcaica e ineficaz aos anseios da sociedade atual.  O partidarismo como mecanismo político tornou-se obsoleto e segredado a realidade da nova configuração ocorrida no mundo, ao passo que não consegue mais arrebanhar todas as vertentes e correntes de pensamentos.  A pretensão maior da esquerda renovada é justamente não ser de forma alguma um palanque partidário, uma sigla ou símbolo formatado em estatutos, ideologias, regras ou mesmo transformar-se em agremiação. O objetivo da esquerda renovada pauta-se na manifestação contrária ao atual modelo político, da qual poucos se beneficiam do poder.  

A verdadeira insatisfação da sociedade em relação a política de um modo geral pôde ser observada nas urnas destas últimas eleições, frente ao enorme número de abstenções, votos nulos e brancos, tal fato mostra a descrença e desânimo com modelo político em voga. Essa demonstração um tanto nociva gerou um quadro de anomalia política, trazendo à tona certas bizarrices como a extrema direita numa posição conservadora e com seus discursos preconceituosos. Isso representa um certo retrocesso político, que danificam os institutos democráticos conquistados ao longo história. Basta vermos os perigos que o conservadorismo ultradireitista pode fazer ao tomarem o poder, tais como: a perda de grandes projetos que visam a diminuição das desigualdades sociais, leis e direitos voltados às minorias, o fim da divisão da riqueza produzida pelo país.

No entanto o autoritarismo das antigas frentes comunistas, como o Stalinismo na antiga URSS, o comunismo chinês não pode ser aceito como a essência do socialismo colocado por Marx, por que recaem na grotesco e selvagem autoritarismo. Pois, Marx foi muito mal interpretado ou mesmo mal utilizado ao apregoar as ideias socialistas, sua proposta em linhas gerais era a luta pela igualdade na distribuição da riqueza e o fim da exploração dos trabalhadores pelo rolo compressor do capitalismo agressivo, da qual a direita conservadora era responsável. A esquerda renovada pretende resgatar o marxismo dentro de suas ideias democráticas e não essa visão fantasiada, em que o socialismo é vista como uma ditadura do proletariado ou uma burocracia ineficaz imposta pelo estado como colocam alguns defensores do conservadorismo.

O estado deve sim existir e ser presente, justamente para manter a ordem das coisas, intervir nos abusos do capital e de seus detentores, auxiliar nas políticas públicas e atender as necessidades dos despossuídos e oprimidos pelo poder econômico. Na própria teoria econômica de Keynes (economista inglês) seus tratados já demonstravam que o estado tem a função de regular a emissão de moeda, estabelecer normas para o mercado de maneira a impedir os desastres econômicos, como foi crise econômica de 1929 e tantas outras, ou seja, Keynes defendia a interferência da economia na política. Diante dessa visão a esquerda renovada tenta construir suas ponderações e incutir suas opiniões, entretanto, sem a criação de ideologias partidárias, nem mesmo estatutos, pois este é a amalgama para o antigo, ultrapassado, que deve ser aniquilado.

As manifestações são o nosso palco, sem bandeiras e apoio partidário, nascemos da comoção popular, da indignação com as ideologias opressoras. Sabemos que a atual política não dá mais conta dos nossos desejos. No seu cerne o que se vê é apenas corrupção, desgaste, interesses particulares, desmantelamento com a coisa pública. Na chamada casa do povo, lugar onde estão nossos representantes tudo está contaminado pelos vermes corruptivos, fazem o jogo conforme seus interesses próprios. A máxima dos partidos políticos é adentrar essas casas e no seu interior estabelecer regras que contrariam a vontade da maioria. A esquerda renovada não pretensão de estar ou mesmo fazer o jogo sujo do poder. O objetivo da esquerda renovada é lutar e apoiar através de novas armas o fortalecimento da democracia em todas as suas esferas, manifestar de forma inteligível contra aqueles que abusam do poder em benefício próprio.  A liberdade se faz de maneira responsável, enfim somos todos responsáveis pelos nossos atos e a nossa omissão custa caro. O fato de abstermos politicamente leva ao poder nossos inimigos, isso é visível na atual conjuntura política, quando assistimos a derrocada da democracia. Precisamos ser transgressores no sentido de impedir e relutar e jamais aceitar que o arcaico e parasitário poder renasça para escravizarmos.

Afinal, estamos vivendo o ápice tecnológico, em que a internet e suas ferramentas: blogs, redes sociais, como um meio sincrônico substitui os meios frios de comunicação como a TV, Rádio que não permite a interação ao vivo e instantânea. Então, a internet juntamente de seus instrumentos deve ser um espaço de luta, manifestações e reunião da esquerda renovada. As redes sociais é lugar da conversação, do debate, das ideias produtivas, onde podemos discutir aquilo que desejamos em termos políticos, sociais e econômicos. Pois o Estado é a soma da sociedade, a força produtiva, que englobam as necessidades popular e não as vontades daqueles que usurpam o bem público. Novamente, a tecnologia vem como aliada dos sem voz, dos oprimidos, dos despossuídos, através dos blogs e redes sociais podem exprimir seu grito de liberdade e clamar por mudanças, ou mesmo opor-se ao sistema e talvez transgredir, assim agir e manifestar-se democraticamente contra o atual estado das coisas.

A burocracia e a tecnocracia deveriam ser estados de exceções, que outrora dominaram o mundo, no entanto a história nos ensinou que regimes abomináveis e distópicos como estes jamais deveriam vir à tona novamente, são inaceitáveis. Esses regimes formam-se da alienação humana, em momentos de fragilidade democrática, por exemplo: o Stalinismo se fez de uma anomalia do socialismo marxista, dá má interpretação de seus escritos e da própria aceitação cega da sociedade num momento de caos histórico. Entretanto, a tecnocracia nasce do poder da direita conservadora, dos instrumentos impostos pelo capitalismo, juntamente com o estado autoritário que utiliza os meios de comunicação e propaganda para vender um sistema econômico que pode ser a solução do mundo naquele momento de fragilidade. 

Não podemos cair nesse ideário tecnocrático, que se resume no aparelhamento do estado, justamente para manipular a sociedade como um todo. A tecnocracia nos levaram a patamares históricos deploráveis com infinitos massacres genocidas, destruição cultural, extrema desigualdades sociais, o verdadeiro caos planetário. Muito bem, qualquer fundamentalismo seja de direita ou de esquerda torna-se nocivo a sociedade, assim como a ideia de partidarismo que gera cisão e fragmentação política, originando a descontinuidade de projetos futuros.

Nem mesmo, o modelo anárquico com seu conceito de ausência de poder e contrariedade aos regimes políticos faz frente as propostas da esquerda renovada, por que ainda sim é dotada de ideologias, são estas que impedem o florescimento de uma sociedade organizada para contrapor-se a tudo que está estabelecido. Talvez a anarquia possa aproximar-se da esquerda renovada no sentido não ideológico, mas da ação conjunta presente nos sindicatos, agremiações e associações de trabalhadores.  A esquerda renovada não acredita nas instituições enquanto sua forma física e sim no agir da sociedade, pois toda ação também gera reações, segundo as leis da física. As reações, um ato de proteção dos reacionários, que não querem permitir o desenvolvimento das políticas progressistas, libertárias, anárquica e de cunho esquerdistas ajam naturalmente sobre o mundo por medo de perderem o controle e o poder sobre as massas, continuar manipulando-as. Enquanto isso, os reacionários dominam qualquer tentativa de ação libertadora, sufocando-as com mordaça da opressão. Colocam aqueles que pensam e agem em prol da cidadania, da igualdade e da liberdade numa situação de clandestinidade e subversão por exercerem sua intelectualidade a favor da democracia.

De qualquer forma, sabemos que o modelo de democracia representativa não é o ideal, apresenta grandes falhas, sujeitas a desigualdades sociais, políticas e econômicas. A representatividade nem sempre é a escolha da maioria, muitas vezes manipulável pela corrupção e fortemente dotada pela ideologia partidária, exigindo estatutos e regra incompreensíveis aos olhos da grande parcela da sociedade. A complexidade desestimula a participação, em consequência temos a insatisfação com o modelo democrático aí posto. Faz-se mister que as fronteiras da revolução sejam quebradas como condição sine qua non para a libertação do homem. Rebelemo-nos para destituir o paradigma político vigente, que encontra-se decadente e prejudicial aos interesses da população trabalhadora.      

Nossas armas serão os discursos, as manifestações, as ideias que devem ecoar do nosso espírito livre e combativo, não queremos mais um poder humilhante, com sua face repressiva e ameaçadora, pois o tempo do medo já passou e nos resta fazer a revolução com mudanças reais. Assim a esquerda renovada entrará na verdadeira roda da história para desmascarar toda iniquidade imposta pelo poder tirânico do sistema econômico que visa apenas o lucro e massacra o trabalhador.

O filosofo que de tudo ri, ao contrário daquele que ainda pode chorar, por não ter nada e saber o que apenas sobrou foi a miséria humana. Sim, somos seres miseráveis, dotados de uma profunda angustia, melancólicos, incapazes de reagir aos intensos medos. Não temos mais lágrimas de tanto pranto, que só nos resta o riso escarnasioso da desgraça humana. Na verdade, não somos dotados de uma carapaça grossa, que nos protege contra as lanças e espadas do mundo, a todo momento recebemos o ataque dos inimigos e simplesmente não reagimos, então sucumbimos à primeira ferida.

Deixamos a história nos consumir, por ela passamos e nada aprendemos. Mas, se quisermos mudar a nossa condição de vítima, coadjuvantes para quiçá protagonistas atuantes temos que ir ao front de batalha e desse modo lutar com as armas certas. A esquerda renovada tem o intuito de desconstruir a miséria humana, transformar o riso do escárnio e da melancolia em esperança. Parece-nos presunção ou até uma utopia vinda do mais retórico discurso, no entanto, se temos a capacidade de rir de nós mesmos, refletir sobre nossa miserabilidade e nossas ações enquanto ser no mundo, os próprios caminhos que construirmos fornecem a direção a seguir. Direção esta, que visa romper os laços traçados pelas ideias conservadoras, preconceituosas e reacionárias.

A real compreensão da miséria humana nos permite desatar os nós feitos pelas tradições das políticas antidemocráticas e autoritaristas que tanto barbarizam o homem trabalhador.  Portanto a história deve ser entendida não como um fim em si mesma, mas a oportunidade de não replicarmos os erros passados. Tal experiência já vivenciada pelas mais diversas anomalias políticas, que dizimaram todas as tentativas de mudanças.

A esquerda renovada passa por uma estrada pavimentada e sólida, pois é quase uma experiência espiritual, dotada de fé, não no sentido da religião e sim no âmbito da crença de valores éticos e morais, ou seja, acreditar na capacidade de mudar o mundo política, social e economicamente.

O conhecimento talvez seja a única forma de chegarmos a plena liberdade. Por meio do conhecimento criamos toda estrutura cultural com suas crenças, valores, mitos, regras, normas e ritos.  No entanto, o conhecimento nas mãos de poucos torna-se artefato de dominação e exploração. É um poder exacerbado, que cria senhores e escravos. O capitalismo é fruto desse conhecimento, em que poucos detém os meios de produção e quase escraviza o resto do mundo. A esquerda renovada vem justamente reivindicar o acesso ao conhecimento de maneira ampla, atingindo a todos aqueles que não tem voz. A ampla disseminação do conhecimento é a via natural para que todos nós possamos construir uma base sólida em relação aos nossos desejos, expectativas e anseios.


sexta-feira, 8 de setembro de 2023

A servidão ilusória de Hayek: o neoliberalismo extremo


O liberalismo de Hayek pauta-se no erro do individualismo, numa liberdade econômica e social que coloca em perigo as estruturas sociais. O avanço do neoliberalismo é um exemplo claro do desejo de Hayek, onde sua concretização tornaria uma catástrofe econômica e social. Portanto, a ideia de um mercado desregulado, sem regras, sem normas e sem leis; na qual prevalece o individualismo acabaria num estado de anomia, um território hostil, apenas ao deleite do capital. O mercado ao contrário de Hayek, não possui mecanismos de autorregulação, estes ficam nas mãos dos governos e das políticas públicas de bem-estar social.

Ao fazer a seguinte afirmação, Hayek se esquece que quase todo o período da história foi marcado por uma forte presença do capitalismo dotado de grandes contradições sociais e econômicas, cuja população em sua maioria viviam em extrema pobreza, amenizadas pelas lutas dos trabalhadores e dos movimentos sindicais. Portanto, a liberdade pregada por Hayek fica apenas no espectro do mercado, ou seja, daqueles que compõem os meios de produção e assim tornarem absolutos em seu poder. Por isso, a sua crítica ao socialismo soa como algo no mínimo passível de desconfiança ao falar que se trata de um sistema que impede a liberdade e de cunho coercitivo. O socialismo não tenta minar qualquer possibilidade de revolução, pelo contrário, sua gênese está na luta revolucionária.   

Hayek tece em seu livro críticas à planificação econômica, própria dos modelos socialistas. Ele, porém, não percebe que a planificação da economia trata-se de um instrumento vital para construir políticas públicas, que são próprias de um Estado preocupado com organização e o desenvolvimento social. A planificação econômica tem um viés progressistas pautado na redistribuição da renda de forma igualitário e usualmente previstas nos modelos de bem-estar social.

A planificação econômica, nada mais é que o gerenciamento pelo Estado dos recursos e a sua aplicação. Ao contrário do neoliberalismo, que prontifica-se apenas multiplicar seus lucros e enriquecer uns poucos, à custa da alienação do trabalhador.

Percebe-se neste autor uma certa falácia, quando demonstra a planificação econômica como um meio para se chegar a um determinador comum, sendo ela, na verdade uma finalidade, um construto para uma sociedade mais organizada.   

Nesse ponto as ideias de Hayek fazem algum sentido, quando diz que o socialismo é uma espécie de coletivismo. No entanto, sabemos que o coletivismo é o próprio socialismo. Se compartilhamos o comum que a todos pertencem, então há o coletivo, concomitantemente existe fundamentos socialistas. Mas parece que Hayek não explicitou muito bem o sentido de coletivo, deixando dúvidas sobre o assunto. Assim esclarecemos que o coletivismo e a economia planificada têm suas raízes no planejamento económico amplamente difundido em economias de países que se preocupam em estabelecer regras para os gastos públicos e desenvolver projetos que visam a distribuição de renda e o pleno emprego. O coletivismo enquadra-se na perspectiva de uma relativa igualdade própria dos ideais de Proudhon e Marx. Talvez inconscientemente, o próprio Hayek reafirma sua posição em favor da planificação e do coletivismo ao abordar o planejamento num sentido distributivo.

Ainda nesse caminho do planejamento, não tem como fugirmos da criação de um plano central elaborado para ser capaz de fornecer um caminho na utilização dos recursos materiais e humanos. Ao trazemos para os dias atuais observaremos que a doutrina neoliberal de Hayek vem perdendo força, principalmente neste momento de sindemia. Muitas nações que trilharam o caminho do Estado mínimo e o fim das políticas de bem-estar social, para surfarem nas ondas do capital financeiro e o mercado livre retrocederam e estão reimplantado as originais políticas de Estado, além da reestatização de instituições e empresa públicas. Grosso modo, a doutrina liberal de Hayek mostrou-se incapaz de lidar com as adversidades e as constantes crises que ela mesmo provocou. Enfim, as grandes corporações acabam pedindo arrego aos cofres públicos. 

Hayek diz ser um liberal, no entanto não tem suas crenças num amplo modelo de sistema económico. Na verdade, ele é um polarizador por acreditar que os sistemas econômicos se fecham numa dualidade capitalismo / socialismo. No entanto, sabemos que outras correntes económicas, principalmente na ala progressista, foram amplamente discutidas e apresentadas como alternativas. O próprio exemplo dado pelo autor do socialismo competitivo emerge como oposição viável a ideologia do mercado amplamente livre e sem qualquer tipo de regulação, fator este que termina numa espécie de anarco-capitalismo. A ideia do socialismo competitivo, sim é plausível, nada tem de ilusório. A partir do momento em que suas bases estão colocadas sobre a esfinge do planejamento, juntamente com a preservação da liberdade individual.

Há um erro conceitual, por parte dos liberais, ao associar o coletivo como um gênero interligado ao fascismo, nazismo e qualquer outro "ismo" de caráter totalitário. Faz-se inadvertidamente ou propositalmente essa falsa ligação como um subterfúgio para desconstruir o papel do Estado enquanto mantenedor das políticas de bem-estar social e o interesse comum. O coletivo como parte do comum tem seu raio de ação na autonomia do ser e na construção social advindo de proposições pautadas no bem comum e na igualdade, que joga por terra as acepções do liberalismo e do individualismo. De fato, tudo aquilo que permeia o comum se traduz na organização social e política, com adoção de valores intrinsecamente humanos e dentro de um plano ético e moral. 

Não, o capitalismo de forma alguma significa democracia, conforme apregoa Hayek. O fato de termos a propriedade privada livre não significa mais liberdade. A democracia caminha pela participação coletiva, por um planejamento adequado de projetos sociais organizados pela sociedade civil através de dispositivos jurídicos e legais. Portanto, o neoliberalismo defendido por Hayek, não implica que o capitalismo seja um sistema libertador, dado que as forças totalitárias do nazismo e fascismo floresceram sob a égide do capital e em cima de uma democracia esgarçada e cambaleante.  

Temos que ter em mente que o controle econômico não reside apenas nas autoridades encarregadas do planejamento central como afirma Hayek. No seu mundo liberal, o controle econômico também está presente no capital e em seus detentores, que dominam o poder económico e fazem dele um instrumento coercitivo que se apodera dos bens comuns e dessa mesma maneira submete o homem a uma condição servil. De fato, as condições económicas, assim como outras devem ser planejadas coletivamente - é não - individualmente, conforme propõe Hayek. Por que só o coletivo tem a capacidade entender que a democracia se faz a partir do esforço participativo, mas sabe que depende de forças representativas. 

O desenvolvimento de uma sociedade planejada está pautado justamente na ideia da distribuição da riqueza de maneira equânime. Aspecto esse, que a liberdade econômica do capitalismo tem sido incapaz de realizar. 

Na maioria das nações em desenvolvimento a segurança da renda não foi totalmente alcançada, geralmente, essas nações possuem uma forte presença do livre mercado, onde a população não recebe quase nenhuma assistência vinda do Estado, impera um alto grau de corrupção, tanto de agentes públicos, quanto das corporações privada. Elas possuem um Estado fraco e ausente, que se baseia em leis rígidas e praticamente nenhuma política pública social. Trata-se de nações com uma democracia fragilizada e propensa aos desmandos de governos autoritários, neles - o sistema capitalista encontra um ambiente bastante propício para desenvolver suas práticas de reprodução.

As técnicas de propaganda são utilizadas não somente pelos regimes totalitários, o sistema capitalista aproveita-se dos meios de comunicação de forma apelativa para veicular suas mercadorias e serviços. O livre mercado e sua enorme competitividade necessita de um público consumidor, ávidos a gastar, e nem que para isso entrem num sistema pernicioso de crédito fácil e de endividamento. No capitalismo atual prevalece o sistema de dívidas, em que o capital financeiro beneficia-se das dívidas, dos empréstimos e dos juros. A todo momento, o indivíduo se vê bombardeado pelos meios de comunicação com constantes propagandas de crédito fácil. Com isso, a mais-valia de Marx sai da exploração do trabalhador e passa a residir na exploração do ser humano como um todo. A produção deixa de ser tangível e recai na intangibilidade proposta pela linguagem mercadológica do mercado financeiro. Tudo se resume aos ativos e passivos demonstrados em uma planilha eletrônica. 

A liberdade de pensamento, na visão de Hayek, só pode florescer em uma sociedade de livre mercado, sem a presença do poder estatal, o que não é verdade. Talvez ele não compreenda que "general intellect" de Marx, ou seja o saber difuso da sociedade, que nos permite construir relações coletivas. No entanto, é esse saber difuso (coletivo) o principal instrumento de criação de tecnologias e inovações - muitas vezes apropriados e patenteados pelas grandes corporações que dominam o mercado - o exemplo das vacinas e medicamentos, que geram bilhões para grandes corporações farmacêuticas. Está aí o grande equívoco do pensamento livre adentrar apenas as sociedades ditas neoliberais. Hayek mesmo diz que o pensamento se constrói pela diversidade e interação dos indivíduos, então por si só, já configura-se uma nuance do coletivo, uma trilha em direção ao "general Intellect' marxista, que para ser livre, jamais deveria estar sob o domínio seja de um poder totalitário, ou do livre mercado, e sim sob os auspícios do comum. 

A democracia segundo Hayek, ergue-se através do aumento dos níveis de riqueza, e certamente concordamos que essa riqueza precisa ser distribuída entre toda sociedade. Sabemos que tal a distribuição efetiva-se apenas pelas mãos dos neoliberais, cujos objetivos estão em abocanhar parte desta riqueza, mantendo assim, os laços das desigualdades. Portanto, a verdadeira democracia, ao contrário de Hayek, realiza-se quando a cidadania faz-se plena, com adoção de direitos, leis e políticas públicas. Só. Iremos encontrar estes elementos na presença de um estado de bem-estar social e não em uma sociedade que preconiza os excessos do livre mercado e da individualidade


sexta-feira, 11 de agosto de 2023

Compreendendo o liberalismo de Adam Smith

 

Em a riqueza das nações das nações, importante obra de Adam Smith faz uma pequena análise das taxas de juros adotadas na Inglaterra do século XVI, assim diz Smith: "os juros decretados pelo reinado de Henrique VIII não poderiam ser superiores a 10%”, da mesma forma dos monarcas anteriores e posteriores a Henrique VIII mantivera as taxas de juros nesses patamares. Isso indica que havia uma preocupação desses monarcas com o equilíbrio econômico da Inglaterra e assim evitar as pressões inflacionárias e manter o controle de preços.

O liberalismo de Adam Smith aponta, talvez inequivocamente, que a política de Estado é o instrumento provocador da desigualdade. No entanto, vemos que o papel do Estado é fundamental, sendo ele o único capaz de construir políticas para suplantar os disparates econômicos causados pela iniciativa privada. A própria escassez de produtos faz parte do jogo capitalista para manipulação de preços, geralmente a elevação dos preços.

Na visão de Adam Smith, o preço mínimo é aquele que consegue simplesmente repor - com pequeno lucro - o capital empregado para colocar a mercadoria no mercado. Parece, no entanto, que Smith não faz uma distinção entre lucro e renda, por que para ele o capital sempre vai buscar renda de acordo com sua necessidade. Portanto, emprega-se o capital no intuito de proporcionar renda ou lucro, sendo esse o viés liberal de cunho capitalista. Esse circuito descrito por Adam Smith, cujo capital entra numa espiral para se obter, fabricar, comprar e vender bens tem apenas uma proposta renda e lucro. Da mesma forma, é o dinheiro que gera lucro quando colocado no mercado financeiro para trazer renda por meio das taxas de juros. O dinheiro, nas palavras de dele "é o único componente do capital circulante de uma sociedade, cuja manutenção pode acarretar alguma diminuição na renda líquida da mesma". (SMITH, 1996, p.293).    

Em relação aos juros, Adam Smith permite-nos compreender melhor a noção sobre credor e devedor, ao dizer que o dinheiro emprestado a juros é considerado capital pelo credor (aquele que fornece parte de seu capital a outrem) e no tempo espera ser restituído pelo devedor (aquele toma de empréstimo) a uma taxa previamente estipulada. Nesse, caso trata-se de um trabalho improdutivo em há apenas renda sobre um capital.    

Sobre o trabalho Adam Smith coloca que: "o trabalho, não se deve esquecer, e não qualquer mercadoria ou conjunto de mercadoria em especial constitui medida real do valor, tanto da prata como de todas as outras mercadorias".  Por outro lado, Marx também aponta o trabalho como valor, somente a valor nas coisas quando existe trabalho nelas embutido. Porém, Adam Smith diferentemente de Marx, vai enfatizar o trabalho no setor agrário, onde a elite é composta por nobres proprietários de terra, até mesmo pelo fato de ser uma realidade de sua época em que o campo é o espaço de luta dos trabalhadores. A relação colocada por Adam Smith envolve o preço de produtos produzidos no meio rural.    

A sociedade de Adam Smith difere da sociedade de Marx, que se caracteriza por ser uma sociedade mais primitiva, onde não havia divisão do trabalho e as trocas seriam mais raras. Portanto, sem a necessidade de acumulação de capital. Somente com a divisão do trabalho, que se trata segundo Adam Smith de um produto do trabalho de uma pessoa para atender a uma pequena parcela de suas necessidades.   

No livro as "riquezas das nações "Adam Smith fala de duas formas de trabalho, sendo o primeiro o produtivo aquele que acrescentam, ou seja, produza valor e assim gera lucro para os donos dos meios de produção. Já o segundo -conforme o autor - envolve o trabalho improdutivo, que não apresenta valor produtividade.

Para Adam Smith a proporção entre capital e renda completa-se numa relação oposta entre aqueles que trabalham e aqueles que não trabalham. Assim, afirma ele: "onde predomina o capital, prevalece o trabalho e onde se tem a renda, a ociosidade impera". O autor nos faz lembrar da antiga nobreza composta por condes, barões, viscondes, marqueses que viviam praticamente no ócio, às custas das rendas de suas terras. A fala de Adam Smith apresenta fortemente suas convicções liberais, de que o capital em movimento é o motor central do trabalho.   


quarta-feira, 5 de julho de 2023

Identitarismo e seus perigos

 

Em um vídeo bastante didático, intitulado: A fábrica de identidades, o professor e filósofo Paulo Ghiraldelli, em seu canal no Youtube explica muito bem sobre o identitarismo e os seus perigos. O professor Ghiraldelli aponta que o identitarismo transita tanto na esquerda, quanto na direita. Sua narrativa sobre os identitários comporta um discurso bastante plausível, mostrando que o identitarismo atua de maneira superficial por não defender uma minoria, mas apenas uma identidade própria como forma de preencher o vazio existencial. As críticas ao identitarismo precisam ser retomados e requalificados para acrescentar importantes questões filosóficas e sociológicas.

Na fala do professor, o identitarismo tem ligação direta com o capitalismo, onde somos levados a uma vida de trocas. Pois, trata-se de uma abstração, da qual temos a incapacidade de viver plenamente e tudo se transforma em igualdade e quantidade - assim ficamos amorfos, simplesmente somos estatísticas e números (na identidade tudo torna-se igual). Portanto, Ghiraldelli nos diz que o identitarismo é o suprassumo da identidade e a partir daí não vemos mais o outro, ele (o outro) não existe diante de nossos olhos, só o igual é visto. Reconhece-se somente aquilo que se pode igualar, assim se faz o jogo do mercado, a mais pura abstração.

Não se enxerga o outro perante a identidade, então toda relação de conflito, de embate, de luta é suprimida, passando a ser nula e inexistente. Dessa forma, nos tornamos seres individuais, só nós reconhecemos dentro dos iguais, pertencentes aos nossos. Por isso, levamos ao cancelamento (termo da moda utilizado nas redes sociais) aqueles que são e pensam diferente, que nos incomodam em suas atitudes e ideias.

Transformamo-nos em seres narcisistas e assim reconhecemo-nos apenas diante do espelho, com isso afastamos o outro. O cancelamento é essa atitude típica daquele que perante a uma identidade juntam-se em grupos de iguais, algo muito próximo das ideologias fascistas ou nazistas. O identitarismo na verdade busca combater outro, enquanto grupo.  Para o Professor Ghiraldelli, o outro seria aquele que põem obstáculo, que não tem pertencimento - o vírus seria um bom exemplo. Sendo o outro um singular, os identitários não teriam capacidade para identificá-lo, portanto algo invisível, talvez um fantasma que assombra sorrateiramente.

Segundo o mestre Wu Hsin o indivíduo está incorporado no “eu”, que por sua vez remete-nos a identidade. Pois, o “eu”, a identidade e o indivíduo são objetos e não sujeito da modernidade, que partilham de uma lógica capitalista atual, em que tudo é feito sob medida para um único e exclusivo ser.

Pois, os escritos de Wu Hsin, nos dá uma dimensão de que a identidade descorporifica e retira o homem do contato com o coletivo. Enquanto indivíduo, perdemos a capacidade de se integrar com outro e entender suas angústias e medos, que também pode ser as nossas.

Portanto, há uma singularidade nas palavras proferidas pelo Mestre Wu Hsin que deve ser observada de forma bastante profunda. Assim destaca ele - em suas frases e pensamentos - a respeito da identidade e do indivíduo em relação ao conceito do “eu”. Vamos extrair dele algumas frases, que a princípio parecerá descontextualizadas, no entanto, servirá de reflexão: 

A paisagem em direção à clara neutralidade está repleta de identidades e rótulos”. Esta identidade pessoal parece proteger. É meramente uma segunda pele; para ser livre, deves desatar-te da aparente identidade individual chamada de “eu”. A identidade é uma ideia adquirida. Tu és aquilo que é anterior à aquisição. Esse conceito central é o eu, a noção de uma identidade distinta que se destaca do mundo. Somente quando isso é visto como falso, o que é verdadeiro pode brilhar”. O que pode ser menos permanente do que a identidade? Enraizar-se na identidade é como plantar uma árvore na névoa”. Pergunta a ti mesmo: ao longo da tua vida, quantas identidades criaste para ti mesmo? Onde elas estão agora? Quanto tempo acreditas que a tua identidade atual durará? Para onde ela vai quando ela estiver terminada? Ao longo do curso do tempo, o corpo muda, as identidades mudam, as imagens do eu mudam. No entanto, durante tudo isso, algo permanece inalterado. Isso é erroneamente referido como “eu”; ainda assim, não é isso. Isso é aquilo através do qual todos os “eus” são conhecidos. Não nascemos com uma identidade. A identidade é adquirida. Na ausência de todas as aquisições, o verdadeiro ser resplandece. O objetivo do indivíduo é a perpetuação e a preservação do indivíduo. Quando o indivíduo é entendido como nada mais do que uma construção, todas as noções de objetivo desaparecem.  O despertar é como um poço sem fundo; quando um indivíduo cai nele, o indivíduo desaparece. Todos os indivíduos morrem. Apenas os que não são mais indivíduos vivem eternamente. O indivíduo é, em si, a ilusão” (Wu Hsin, 2018 - compilação nossa).

Devemos saber que toda reflexão filosófica, está na ingenuidade do filosofo em querer acreditar nas mudanças do mundo ao seu redor. Com Wu Hsin, não é diferente, dado que o seu olhar para a identidade acaba espraiando na efemeridade e no individual.  

Os escritos do filosofo chinês Wu Hsin a mais de 2300 anos nos traz importantes questões a respeito da identidade, do individualismo relacionados ao “eu”. O pensamento deste autor pode parecer um tanto descolado da contemporaneidade, porém enriquece de sobremaneira a nossa compreensão a respeito do identitarismo e individualismo que permeia a sociedade moderna e tão preocupada com o “eu” interior, que é próprio do capitalismo atual.

O outro ataca de surpresa, sem sobressaltos e implica no conflito e na derrota do identitário, justamente pelo seu despreparo, pela falta de capacidade de identificar as ameaças, mas ao mesmo tempo ele é ameaçador -por se travestir de progressista, mas agir de forma reacionária. O identitário prefere a tática do cancelamento por ser covarde. O identitarismo de nosso século se instaurou nas redes sociais, permeou a esquerda emperrando a reflexão e a luta, não tem nada em comum com os movimentos populares e as minorias. Sobre os identitários, podemos dizer que sempre vem uma certa suspeita de fascismo, justamente pelo fato da identidade aceitar apenas o igual, o idem (falsa ideia do pertencimento) e rejeitar o diferente (o outro).    

Natureza

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