terça-feira, 16 de novembro de 2021

Por que gostamos da Utopia

As vezes tudo me parece tão utópico, tão distante, como algo que jamais alcançaríamos, mesmo se tivéssemos do outro lado do rio. Bem, poderíamos de certo modo falar que a utopia cabe dentro daquelas almas sedentas por justiça, onde todos mereciam o paraíso. Um lugar, não sei, muitas vezes presente no imaginário dos sonhadores que sonham em que todos são iguais. Certamente estes estão na margem contrária do rio. Interessante ver que Utopia foi descrita por Thomas More como uma ilha distante, as vezes impenetrável a qual cada cidadão desempenha seu papel com grande competência e certa alegria. Nela o guerreiro é um guerreiro e sabe de sua importância social. O agricultor, homem da terra reconhece sua função perante aos outros habitantes. Em Utopia todos estão conectados com a terra, o ar e água e não envolvidos demasiadamente numa falsa conexão via redes sociais.

O utópico acredita nos valores da igualdade e na harmonia entres as pessoas. O equilíbrio das forças tem um enorme sentido quando se é um utópico. Não existe utopia num mundo cuja a balança do poder, política ou economia sempre tende para um dos lados. A utopia é um constante vir a ser, uma vontade latente que urra feito um animal feroz para que tudo vá em direção ao equilíbrio.

A equidade talvez seja o principal mote do pensamento utópico, ao contrário da igualdade em que todos são colocados dentro das mesmas leis e direitos. A equidade estabelece uma reconexão com os desiguais, dessa forma incluindo aqueles que foram excluídos. A visão de equidade no pensamento utópico promove o nascimento de ideais progressistas e de democracia participativa.

A democracia participativa, diferentemente da democracia representativa, é aquela que permite o povo interagir diretamente nas decisões políticas, por meio dos conselhos instalados nas cidades e bairros. Nela, o povo tem voz e aponta diretamente as necessidades de sua comunidade. A democracia participativa é o que mais se aproxima dos utópicos. No entanto, a democracia representativa, os representantes eleitos se apossam do poder e atendem as necessidades somente de seus grupos de interesse, típico do sistema capitalista.

Não há vez para o capital. Utopia não cede lugar para grandes conglomerados industriais, investidores e capitalistas que buscam o lucro fácil e criam uma massa proletariada empobrecida. Também não comporta esse capitalismo financeiro improdutivo, da qual dinheiro gera dinheiro como num passe de mágica. É muito menos aceita essa nova onda de trabalhadores por aplicativos.

Diante de tal fato Utopia tornou-se imune a pandemia provocada pelo vírus da tecnologia em rede e seus habitantes conseguem facilmente se conectar com as coisas da natureza. Portanto não há espaço para motoristas de aplicativos ou entregadores de comida via rede. Os utópicos acreditam na equidade, no equilíbrio e na natureza, tanto que abominam seres artificiais, imagéticos, que não tenha corpo ou ficam por trás de uma impondo suas pós-verdades.

Alguns aspectos importantes de sobre a estrutura política e econômica de Utopia, pode ser observado nas palavras do próprio Thomas More, assim ele aponta que:

"Em utopia seus habitantes aplicam os preços baixos a suas exportações e se preocupam com a pobreza não apenas em seu próprio solo, mas também em outros países, ao doarem aos pobres de cada país importador um sétimo dos produtos que para lá exportam. Para realizar esse comércio, produzem excedentes, plantando trigo e criando gado em quantidade superioras duas necessidades. Quando têm provisões suficientes para dois anos de produtos como trigo, mel, lã, madeira, grãos, couro, e pele de animais, vendem o excedente a outros países. Com os ingressos provenientes de suas exportações, importam diversos bens como ferro, ouro e prata. [...] A criação dessas reservas e a manutenção de outros países em permanente endividamento fazem parte de sua estratégia de dominação. [...] A existência de comércio não caracteriza uma expressa abertura para o exterior, já que a necessidade importação está limitada ao ferro. Por esta razão, poucos comerciantes vêm a ilha negociar" (MORE, 2004, p.27).                      

O pensamento utópico descrito por Thomas More faz referência ao descaso do capitalismo com o bem-estar da sociedade e a sua nocividade aos princípios da igualdade. Observamos que Utopia adota uma estratégia econômica planejada, onde o Estado cria regras claras de comércio interno e externo para evitar os abusos. Dessa forma, More aponta que:

"onde existe a propriedade privada, onde o dinheiro é a medida de todas as coisas, não é possível governar de forma justa e próspera. Não pode haver justiça onde as melhores coisas da vida pertencem aos piores homens e ninguém pode ser feliz, onde apenas uns poucos indivíduos repartem entre si todos os bens, desfrutando de grande conforto, enquanto o resto dos homens vive em deplorável miséria (MORE, 2004, p.42).  

É justamente isso que os utópicos não aceitam, a desigualdade sócio-econômica. Para eles todos os homens merecem a riqueza que é produzida e que não vivam a margem da pobreza. Por isso o capitalismo é visto pelos utópicos como um sistema bestial, desumano por jogar bilhões de pessoas na extrema miséria.


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