A realidade política
e econômica não se apresenta somente nos meios impressos (páginas de livros,
jornais e revistas). Nas telas de cinema, produtores, diretores, roteiristas e
atores colocam suas críticas - mesmo que veladas, ou não - a respeito dos sistemas
econômicos, dos excessos provenientes das grandes corporações, dos governos
ditatoriais, dos preconceitos de raça, sexo ou classe social. Um filme, por
mais sútil que pareça, traz em si uma certa carga crítica, um pano de fundo
revestido com alguma mensagem. Outros filmes, já colocam sua temática em
aberto, buscam transmitir uma reflexão, mais ou menos profunda. Críticas ao
neoliberalismo também permeiam a linguagem cinematográfica, sejam em dramas,
comédias ou ficções, a profundidade do tema vem à tona nas ações de seus
personagens.
Em suma, a linguagem
cinematográfica mostra-se um excelente ponto de referência para explicarmos
essa dinâmica das desigualdades sociais, das misérias humanas, provocadas pela
transição do capitalismo fordista para o capitalismo financeiro atual. Um filme
- às vezes - é muito mais mero que entretenimento, as imagens geralmente estão
carregadas de mensagens subliminares, ou mesmo, de conteúdo
reflexivo. Portanto, vamos abordar aqui dois filmes, entre centenas ou
talvez milhares, que mostram não tão sutilmente os efeitos nocivos do
neoliberalismo na vida cotidiana.
O primeiro deles
- They Live (Eles Vivem) é um desses filmes
que nos faz pensar o quanto o capitalismo pode ser desigual e alienante. O
filme escrito e dirigido por John Carpenter em 1988 trata-se de uma ficção científica, ao mesmo tempo satírica e
violenta. O protagonista John Nada é mais um homem comum em busca de trabalho
que sobrevive num Estados Unidos dos anos 80 marcado por um período de
inflação, desemprego e crescente desigualdades sociais. No entanto, John
consegue um trabalho na construção civil e passa a morar num acampamento de
sem-tetos. A revelação vem durante uma opressiva operação das forças policiais,
que destrói os barracos, tenta expulsar os sem-tetos e prende algumas pessoas,
ali alojadas.
Durante essa
confusão, o nosso personagem, John, encontra uma caixa de óculos escuros, ao
colocar um deles em seu rosto descobre que a elite não passam de seres alienígenas escondendo, que disfarçados na
forma humana manipulam as pessoas para consumir e também aceitar as
desigualdades, utilizando-se dos meios de comunicação e
intensivas propagandas. Os óculos trazem à tona a verdadeira face dessa elite
alienígena que detém o poder financeiro e a capacidade de manipulação via
antenas de TV. O filme em si traz uma abordagem política, social e econômica
características dos anos 80, período de uma desindustrialização própria do
fordismo com forte entrada de medidas neoliberais que objetivavam a redução dos
gatos públicos, dos impostos sobre os ganhos de capital e da economia,
ampliando a diferença de rendas entre ricos e pobres, que culminou no aumento
de sem-tetos (demarca o fim do Estado de bem-estar social). Além de abordar a
questão da exploração e da servidão humana de forma bastante velada.
Já o filme High-Rise
(No topo do poder), 2014, dirigido pelo Britânico Ben Wheatley, produzido por Jeremy Thomas e baseado na obra
homônima de James Graham Ballard. O filme
situa-se no fim da década 70, período emblemático em que as ideias neoliberais
começam a despontar na Inglaterra e no mundo, tendo como ambiente um enorme
edifício de luxo, da qual recebe um novo morador, o médico Robert Laing. Logo,
o protagonista, que ocupa uma posição mediana no prédio, se vê numa briga entre
os moradores dos andares superiores e inferiores. Essa desavença entre os
residentes revela uma luta de classes própria do sistema capitalista, em que os
ocupantes dos andares superiores (a suposta elite) culpam os moradores dos
andares inferiores pelo mal funcionamento das estruturas do edifício. É daí que
desencadeia toda confusão, que provoca ações revoltosas levando ao mais
completo caos. O edifício trata-se de uma alegoria, um arquétipo da sociedade,
que como tal divide-se em classes sociais e cujas desigualdades tornam-se
evidentes. No entanto, essas desigualdades não são aceitas por aqueles que
ocupam as camadas mais inferiores, desdobrando-se em manifestações, muitas
vezes violentas.
Um
destaque importante no filme é em relação ao protagonista, que por pertencer
aos patamares medianos, se vê expulso da festa temática da elite que reside os
andares superiores. High-Rise (No topo do poder) nos dá uma sátira de um
microcosmo distópico em que as diferenças sociais podem acirrar os ânimos e
tornar o confronto inevitável. Outro ponto a ser destacado no filme, faz
referência ao arquiteto que projetou o prédio - morador da cobertura, como
alguém que a princípio seria o controlador de tudo. Alegoricamente, poderíamos
comparar o arquiteto como um criador, uma espécie de tecnocrata que detém o
poder para interferir nos modus operandi daquela sociedade
microcósmica. Porém, este suposto poder do arquiteto não se configura, dado que
ali introduziu-se um ambiente de guerra, caótico e impossível de governar a
partir do momento em que a democracia foi rompida. Enfim, o filme
trate-se de uma crítica social e econômica daquilo que vivemos hoje no mundo
neoliberal, colocando em pauta as desigualdades, o preconceito e principalmente
onde poderá se chegar caso essas diferenças tornem-se ainda mais abissais. Pois
não estamos muito longe de uma convulsão classes. Ambos os filmes trazem
em sua temática problemas cotidianos, questões ligadas as diferenças sociais e
as desigualdades de renda. Percebe-se que os dois filmes têm como palco a cidade
grande, local em que as pessoas procuram realizar seus desejos, obter
oportunidades e desenvolver-se profissionalmente. No entanto, acabam frustradas
nessas ilusões meramente capitalistas.
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