Em um vídeo bastante didático, intitulado: A fábrica de identidades, o professor e filósofo Paulo Ghiraldelli, em seu canal no Youtube explica muito bem sobre o identitarismo e os seus perigos. O professor Ghiraldelli aponta que o identitarismo transita tanto na esquerda, quanto na direita. Sua narrativa sobre os identitários comporta um discurso bastante plausível, mostrando que o identitarismo atua de maneira superficial por não defender uma minoria, mas apenas uma identidade própria como forma de preencher o vazio existencial. As críticas ao identitarismo precisam ser retomados e requalificados para acrescentar importantes questões filosóficas e sociológicas.
Na fala do professor, o identitarismo tem ligação direta com o capitalismo, onde somos levados a uma vida de trocas. Pois, trata-se de uma abstração, da qual temos a incapacidade de viver plenamente e tudo se transforma em igualdade e quantidade - assim ficamos amorfos, simplesmente somos estatísticas e números (na identidade tudo torna-se igual). Portanto, Ghiraldelli nos diz que o identitarismo é o suprassumo da identidade e a partir daí não vemos mais o outro, ele (o outro) não existe diante de nossos olhos, só o igual é visto. Reconhece-se somente aquilo que se pode igualar, assim se faz o jogo do mercado, a mais pura abstração.
Não se enxerga o outro perante a identidade, então toda relação de conflito, de embate, de luta é suprimida, passando a ser nula e inexistente. Dessa forma, nos tornamos seres individuais, só nós reconhecemos dentro dos iguais, pertencentes aos nossos. Por isso, levamos ao cancelamento (termo da moda utilizado nas redes sociais) aqueles que são e pensam diferente, que nos incomodam em suas atitudes e ideias.
Transformamo-nos em seres narcisistas e assim reconhecemo-nos apenas diante do espelho, com isso afastamos o outro. O cancelamento é essa atitude típica daquele que perante a uma identidade juntam-se em grupos de iguais, algo muito próximo das ideologias fascistas ou nazistas. O identitarismo na verdade busca combater outro, enquanto grupo. Para o Professor Ghiraldelli, o outro seria aquele que põem obstáculo, que não tem pertencimento - o vírus seria um bom exemplo. Sendo o outro um singular, os identitários não teriam capacidade para identificá-lo, portanto algo invisível, talvez um fantasma que assombra sorrateiramente.
Segundo o mestre Wu Hsin o indivíduo está incorporado no “eu”, que por sua vez remete-nos a identidade. Pois, o “eu”, a identidade e o indivíduo são objetos e não sujeito da modernidade, que partilham de uma lógica capitalista atual, em que tudo é feito sob medida para um único e exclusivo ser.
Pois, os escritos de Wu Hsin, nos dá uma dimensão de que a identidade descorporifica e retira o homem do contato com o coletivo. Enquanto indivíduo, perdemos a capacidade de se integrar com outro e entender suas angústias e medos, que também pode ser as nossas.
Portanto, há uma singularidade nas palavras proferidas pelo Mestre Wu Hsin que deve ser observada de forma bastante profunda. Assim destaca ele - em suas frases e pensamentos - a respeito da identidade e do indivíduo em relação ao conceito do “eu”. Vamos extrair dele algumas frases, que a princípio parecerá descontextualizadas, no entanto, servirá de reflexão:
“A paisagem em direção à clara neutralidade está repleta de identidades e rótulos”. Esta identidade pessoal parece proteger. É meramente uma segunda pele; para ser livre, deves desatar-te da aparente identidade individual chamada de “eu”. A identidade é uma ideia adquirida. Tu és aquilo que é anterior à aquisição. Esse conceito central é o eu, a noção de uma identidade distinta que se destaca do mundo. Somente quando isso é visto como falso, o que é verdadeiro pode brilhar”. O que pode ser menos permanente do que a identidade? Enraizar-se na identidade é como plantar uma árvore na névoa”. Pergunta a ti mesmo: ao longo da tua vida, quantas identidades criaste para ti mesmo? Onde elas estão agora? Quanto tempo acreditas que a tua identidade atual durará? Para onde ela vai quando ela estiver terminada? Ao longo do curso do tempo, o corpo muda, as identidades mudam, as imagens do eu mudam. No entanto, durante tudo isso, algo permanece inalterado. Isso é erroneamente referido como “eu”; ainda assim, não é isso. Isso é aquilo através do qual todos os “eus” são conhecidos. Não nascemos com uma identidade. A identidade é adquirida. Na ausência de todas as aquisições, o verdadeiro ser resplandece. O objetivo do indivíduo é a perpetuação e a preservação do indivíduo. Quando o indivíduo é entendido como nada mais do que uma construção, todas as noções de objetivo desaparecem. O despertar é como um poço sem fundo; quando um indivíduo cai nele, o indivíduo desaparece. Todos os indivíduos morrem. Apenas os que não são mais indivíduos vivem eternamente. O indivíduo é, em si, a ilusão” (Wu Hsin, 2018 - compilação nossa).
Devemos saber que toda reflexão filosófica, está na ingenuidade do filosofo em querer acreditar nas mudanças do mundo ao seu redor. Com Wu Hsin, não é diferente, dado que o seu olhar para a identidade acaba espraiando na efemeridade e no individual.
Os escritos do filosofo chinês Wu Hsin a mais de 2300 anos nos traz importantes questões a respeito da identidade, do individualismo relacionados ao “eu”. O pensamento deste autor pode parecer um tanto descolado da contemporaneidade, porém enriquece de sobremaneira a nossa compreensão a respeito do identitarismo e individualismo que permeia a sociedade moderna e tão preocupada com o “eu” interior, que é próprio do capitalismo atual.
O outro ataca de surpresa, sem sobressaltos e implica no conflito e na derrota do identitário, justamente pelo seu despreparo, pela falta de capacidade de identificar as ameaças, mas ao mesmo tempo ele é ameaçador -por se travestir de progressista, mas agir de forma reacionária. O identitário prefere a tática do cancelamento por ser covarde. O identitarismo de nosso século se instaurou nas redes sociais, permeou a esquerda emperrando a reflexão e a luta, não tem nada em comum com os movimentos populares e as minorias. Sobre os identitários, podemos dizer que sempre vem uma certa suspeita de fascismo, justamente pelo fato da identidade aceitar apenas o igual, o idem (falsa ideia do pertencimento) e rejeitar o diferente (o outro).
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