domingo, 4 de dezembro de 2022

Linguagem e capitalismo

 

A linguagem como atividade intrínseca ao homem busca estabelecer relações, que inclui também as relações econômicas servindo às estratégias do mercado financeiros. Assim diz Fumagalli (2002, p.67) a respeito da linguagem como uma expressão de ação simbólica mediada pelo domínio cognitivo e pela fala, sua performance está contida no âmbito do imaterial, ou seja, sem um suporte físico que o sustente.

Bem, podemos dizer que os meios de comunicação de massa são dotados de signos e símbolos, onde o mercado financeiro viu na apropriação da linguagem um meio de atrair cada vez mais investidores com a promessa de enriquecimento.

Os signos e símbolos, como elementos da linguagem assumem uma enorme relevância para construção ideológica, que pode ser bastante nociva à sociedade conforme utilizada.

Na Europa e na ex-URSS, a radiofusão cumpriria um papel muito mais político e ideológico, de construção de coesão internacionais num ambiente marcado por graves conflitos internacionais e intranacionais, do que articulação da produção social geral, como ocorreu nos EUA. (DANTAS, 2002, p.138).     

Os meios de comunicação de massa, além de ser o porta-voz das questões políticas e soberanas dos Estado-nações, irão desempenhar uma função preponderante no processo de financeirização, produzindo uma falsa racionalidade no mercado financeiro que induz o comportamento do investidor.

No mercado financeiro – entretanto - o comportamento destes investidores segue o que chamamos de efeito manada, ou seja, a busca irrefreada de liquidez e maiores ganhos, que na maioria das vezes não se concretiza. A referência de alta ou de queda no preço de um ativo financeiro, no curto prazo estão muito mais vinculadas às opiniões e informações meramente assimétricas de fontes duvidosas. Pois o mercado financeiro tem sérios problemas psicológicos, sendo um ente bipolar, que as vezes entra num estado de euforia, mas poucas horas depois afunda-se numa completa depressão.

Essa bipolaridade do mercado financeiro, talvez possa ser explicada por Fumagalli (2002, p.64) quando fala em racionalidade bioeconômica, onde os indivíduos iludem-se nos seus investimentos e tornam-se presas de uma manipulação cognitiva. Esse uso da linguagem nos mercados financeiros é proposital para aquecer a acumulação do capitalismo cognitivo.

segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Produção, trabalho e informação

 

O capitalismo atual, denominado de capitalismo cognitivo, ou capitalismo improdutivo passou do antigo modelo de produção taylorista baseado em mercadorias e consumismo para a produção imaterial, o que alterou completamente as relações de trabalho. Desde então, diz Marcos Dantas (2002, p.117) em seu livro: A lógica do capital-informação:

“O que grande maioria das pessoas vem produzindo em seu trabalho é informação social registrada em patentes de produtos ou processos, comunicada em relatórios, protótipos, desenhos painéis de controle de máquinas; gravados em películas cinematográficas; transmitidas em programas de rádio ou televisão, por telegrama ou telefone”.     

Para entendermos a evolução paradigmática do capitalismo cognitivo, temos que abordar aqui um pequeno percurso histórico do sistema de produção fordista-taylorista e atravessar o final século XX no intuito de descrever o paradigma da bioeconomia. Quem vai permitir a construção dessa ponte é Fumagalli, nas seguintes palavras:

No sistema de produção fordista-taylorista, a convenção econômica dominante fundamentava-se na ética do trabalho assalariado, no desenvolvimento e no bem-estar. a economia tinha suas bases na produção material [...] No paradigma bioeconômica do capitalismo cognitivo, a convenção atual converteu-se para a financeirização da economia e quem manda são a opinião pública, os meios de comunicação e o individualismo (FUMAGALLI, 2010, p.68).     

Os mecanismos tecnológicos e de linguagem, que agregam os signos e símbolos, servem para articular toda essa produção social, e para Dantas o capital tende a investir cada vez mais nessa indústria da informação.

As grandes corporações, uma junção do capital financeiro e os laboratórios industriais sempre mantiveram os altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, sustentando na inovação tecnológica suas posições de liderança e de domínio monopolista dos mercados (DANTAS, 2002, p.139-40) 

Portanto, a linguagem, a tecnologia e conhecimento juntos perfazem o caminho natural da nova economia, baseada no intangível. O valor está no compartilhamento de informações e trocas de conhecimento, a respeito disso comenta o autor nessa citação:    

Porém, “conhecimento tácito” refere-se àquelas noções e competências que, na medida em que não são codificadas, permanecem como patrimônio do indivíduo que as possui por um tempo mais ou menos limitado. Estes tipos de indivíduos representam a elite do mercado de trabalho e são, acima de tudo, essenciais para a geração e criação de novas tecnologias no campo da pesquisa de produtos e das metodologias de produção. É o conhecimento que normalmente está protegido por patentes e que não é intercambiável no mercado da informação. Eles constituem a essência do controle tecnológico e, portanto, não estão sujeitos aos processos de globalização e liberalização. (FUMAGALLI, 2010, p.157)

Precisamos compreender que no capitalismo cognitivo, a gestão da informação, e o grau de conhecimento atribuível, constitui o motor principal do processo de acumulação (FUMAGALLI, 2010, p.176). Digamos que isto é, uma nova tendência, no entanto, sabemos que as tendências são efêmeras e substituíveis. Todavia, seria um erro denominar de tendência uma mudança paradigmática, ao passo que a velha indústria cedeu ao mercado financeiro. Assim temos que:

O processo de produção deixou de ser apenas aquilo que se realiza dentro da fábrica, seja no escritório, seja na oficina, conforme o entende uma tradição que remonta a Smith e Marx. Realiza-se nos lares, nas ruas, nos espaços públicos de entretenimento, nas escolas, em todo lugar onde o indivíduo social é adestrado para incorporar a uma rotina produtiva qualquer, e, ao mesmo tempo, dialeticamente, é construído para desejar usar o produto que socialmente ajudou a fabricar (DANTAS, 2002, P.118).

Essa fala do Professor Dantas é bastante representativa, no momento em que não há somente consumidores e produtores. Agora, dentro dessa perspectiva do capitalismo cognitivo, somos ao mesmo tempo “prosumidores”, produzimos e consumimos instantaneamente não mais mercadorias e sim informação e conteúdo.

Essa condição de “prosumidores” que o capitalismo atual nos impõem, de antemão joga por terra o fator tempo. No trabalho intelectual o tempo irrelevante, e o foco está na informação, que envolvem as atividades de busca e processamento. Na análise logo abaixo, Dantas explica como essas atividades são processadas:

Cada indivíduo inserido na produção capitalista não passa de um elo informacional que recebe, processa e transmite algum subconjunto de informação necessária às atividades de outros indivíduos, ou um conjunto do subsistema social na qual interage. O trabalho de cada indivíduo é um exercício de busca: coletar, compilar e reunir dados diversos; e também um exercício de processamento: relacionar esses dados para obter um novo que será necessário à busca que outros indivíduos realizam ou, no limite, às operações das máquinas (DANTAS, 2002, p.142).    

Na análise realizada por Fumagalli, retrata-se o mercado num sentido físico, característico do modelo fordista-taylorista, com a presença de um Estado protetor das grandes corporações e a moeda ainda encontra lastro e paridade no ouro.

No sistema de produção industrial fordista tem sua base na divisão do trabalho e na hierarquia, Da mesma forma segundo Fumagalli (2010, p.162) ocorre uma separação temporal a entre comunicação e produção. Entretanto, haverá na Europa em meados dos anos 60 um limite pleno da demanda nos mercados, que colocará em crise o de modelo de acumulação fordista.

A crise do modelo fordista-taylorista traz como consequência o desmantelamento do Estado de bem-estar social, que irá proporcionar o crescimento dos mercados financeiros e a principalmente a especulação financeira, não sendo mais atraente o sistema de credito bancário devido a crescente instabilidade e incerteza dos setores produtivos.

Mas enfim, o que caracteriza o modelo fordista em termos de produção de valor material, que foi amplamente descrito pelo pensamento marxista. Nisso, Dantas nos ajuda em uma citação.

Muito depois, essa época veio a ser determinada “regime fordista de acumulação” definido como um grande pacto social envolvendo Estado, empresas e sindicato operário, que visava viabilizar a expansão dos mercados (empregos e salários) e dos lucros, por meio de acordos e contratos vantajosos entre capital e trabalho (Dantas, 2002, p.121).   

O trabalho humano do período taylorista-fordista, conforme Fumagalli (2010, p.186) estrutura-se nas bases temporais e na precisão, mede-se o tempo de trabalho e o tempo de não-trabalho. No entanto, com a digitalização e a informatização, o tempo não parece ser mais um elemento tão rígido para medir o grau de produtividade. 

As tecnologias da informação têm toda sua estrutura pautada em linguagens artificiais, construídas sobre comandos binários (0 e 1), que tem avançado com o desenvolvimento de inteligência artificiais (IA) e uso aprendizagem de máquinas, além da web semântica. Essa relação tecnologia e linguagem, na visão de Fumagalli (2010, p.188) encaminha-se para uma relação corpo e mente, onde os mecanismos de linguagem e a evolução do conhecimento se corporificam. Desenvolve-se a relação homem-máquina, tríade corpo, mente e máquina.

Portanto, não podemos pensar a informação como mera mercadoria vinda do sistema fordista. Mas sim, uma ferramenta, um meio gerado, registrado e disseminado, da qual o capital apropria-se. É válido falarmos que a informação contém em si algum valor. O valor da informação - conforme Dantas (2002, p.143) - é poupar tempo de trabalho. Esse valor para ele não se realiza por meio de troca na circulação (como na mercadoria), mas por meio da interação, da comunicação.

Diante das tecnologias de informação e comunicação a velocidade e flexibilidade são dois aspectos essenciais, segundo Fumagalli (p.191), que veio para modificar profundamente todo aparato produtivo e social, pois, a flexibilidade e aceleração tem como resultado um forte aumento na produtividade do trabalho. A conexão em rede proporcionada pelas TICs também influenciou de sobremaneira o mundo do trabalho, permitindo que as pessoas possam desenvolver suas atividades de forma remota, cooperativa e com elevado grau de comunicação.  A cooperação é o elemento propulsor das atividades em rede.

O trabalho, no interior da economia da informação essencialmente ocorre - segundo Fumagalli -  em um ciclo de produção social, na qual a experiência, a comunicação, a afetividade está intimamente ligada aos fluxos de informação e aos processos de aprendizagem dependente da cooperação social que está na base da própria produção social.

sábado, 24 de setembro de 2022

Informação e neoliberalismo

 

Como não poderia ser diferente do resto do planeta, a onda neoliberal atinge o Brasil, no início da década 90, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Nesse período ocorre uma série de privatizações de estatais, principalmente aquelas do setor de telecomunicações e telefonia. São as forças do capitalismo adentrando setores da economia que a princípio tem uma grande relevância estratégica para a o país. Essas privatizações ocorridas durante este governo nos fazem refletir a respeito da essencialidade dos serviços públicos e quanto eles podem ser úteis sociedade.

Por outro lado, a iniciativa privada não faz qualquer reflexão deliberada a respeito da necessidade destes serviços, já que está imbuída na obtenção do lucro. Até mesmo como foram feitas tais privatizações, merece profunda investigação. Ao passo que, dessas companhias estatais de telefonia tiveram seus leilões por preço irrisório e seus compradores contaram com dinheiro público do BNDES para adquiri-las.

Mais uma vez, o Estado servindo aos interesses do capital. Com isso, o autor do livro: A lógica do capital - informação, Marcos Dantas - em uma interessante passagem - nos faz recordar da necessidade de reavaliarmos as bases do capitalismo produtivo, e, portanto, coloca o autor nessa citação:

“No final do século XX, o capitalismo moderno completou um grande ciclo histórico, cujas marcas iniciais datam dos anos da 1ª guerra mundial, posteriormente denominavam de “fordismo”, definido como uma grande coalização entre empresas, sindicato, e o Estado para garantir a expansão dos investimentos dos mercados, dos empregos e da renda. [...] o “fordismo” apoiava-se numa base técnica específica e em um conjunto de condições sociais, culturais que o agasalhavam e foram por ele, progressivamente modificados e transformados (DANTAS, 2002, p.73). 

O neoliberalismo, é isso, o novo liberalismo com aporte do capital intelectual e de suas inovações tecnológicas que modifica profundamente as relações sociais e transforma completamente o mundo do trabalho. As mudanças nas relações de trabalho geralmente são negativas para o trabalhador, que perde sempre direitos.

O setor de comunicações, vital a toda sociedade, jamais deveria estar aos auspícios de grandes empresas privadas. Pois, a indústria da informação tem seu habitat natural na formação cultural dos povos e toda forma de comunicação está engendrada no domínio da linguagem, por meio dos signos e símbolos. A partir do momento que tais elementos da linguagem são tomados pela grande indústria do entretenimento e meios de comunicação sem a participação coletiva, a cultura da linguagem se rende aos caprichos do capital.

Diante disso, os signos e símbolos tornam-se uma espécie de mercadoria, que nem sempre irá condizer com a realidade cultural, seja de uma tribo, de um povo ou nação. Ao entregarmos nossa linguagem a esses poucos veículos de comunicação, abrimos mão de nossas raízes culturais e recebemos em troca informações muitas vezes fustigadas de mentiras e sem valor real. A respeito da importância das comunicações, enquanto linguagem dotada de signos e símbolos, Dantas traça uma breve definição que:

“Em comunicações, cabe tudo que se refere ao registro, tratamento e disseminação da informação social. Já o debate sobre as comunicações no Brasil está pobre, medíocre, limitada a um pequeno, mas interessadíssimo, grupo de participantes, e reduzido a meia dúzia de lugares-comuns e frase feitas (DANTAS, 2002, P.95). 

A elite brasileira tem forte presença nos meios de comunicação de massa. Os donos de TVs, jornais e rádios, em parte dominam o meio político em proveito próprio. Neste mesmo percurso, em relação as comunicações e o seu interesse em dominar as audiências no país, este mesmo autor (2002, p.96) faz o seguinte relato e assim diz: “As forças sociais interessadas em moldar as comunicações brasileiras conforme seus interesses estão de fato cumprindo o seu papel, e com bastante eficiência. Sem dúvida, a TV aberta é o principal meio de comunicação dos brasileiros, atinge quase 90% dos lares, sendo única fonte de informação dos indivíduos. Isso faz da televisão o espelho de nossa sociedade.

 Talvez esteja enganado, mas penso que somente uma força de esquerda seria capaz de mitigar ou mesmo debelar as atuais estruturas neoliberais que está avançado de maneira rápida e truculenta por quase todo o mundo. Cabe a nós reavaliarmos e reestruturamos todas as nossas práticas sociais em função de uma esquerda reflexiva, comprometida com a igualdade e solidariedade. Nessa toada, Dantas (2002, p.97) deixa bem claro o papel da esquerda, que “implica num profundo compromisso com a herança racionalista da civilização e o com o projeto de consumar na realidade social as promessas do iluminismo, que a sociedade burguesa deixou a meio caminho”. As palavras de Dantas sobre estes ideais socialistas certamente vieram de empréstimos das obras de Proudhon e Marx, no intuito de se construir uma sociedade mais justa e equânime.

Por falar em Marx, o avanço capitalista num primeiro momento atravessa o século XIX e nos idos do século XX teve seus radares na captação das forças produtivas, na divisão do trabalho, no chão de fábrica e na distribuição de produtos voltados para um mercado consumidor. Já em meados dos anos 80, o capital se desloca para a tecnologia e o mercado financeiro. A tecnologia abre precedentes para o desenvolvimento de sistemas de informação, que fornece comunicação instantânea síncrona e assíncrona, modificando principalmente as relações de trabalho.

Não há mais produção dentro de um modelo fordista, mas sim uma intensa “plataformização” das rotinas, tarefas e atividades realizadas através dos sistemas de informação, que segundo Dantas (2002, p.98) “atinge e molda o ser humano de forma inconsciente, conforme os arranjos do capital.  A tecnologia da informação quebra com toda a antiga lógica da divisão do trabalho, assim passamos do homem operário, para o homem empreendedor. Dantas (2002, p.98) ainda afirma que “trata-se de uma visão proveniente dos aparatos tecnológicos criadas pelo capital”.

Dentro de um Estado democrático, a informação e a produção do conhecimento deveriam ser direitos inalienáveis, jamais pertenceram aos propósitos do capital. A inovação tecnológica é uma criação, antes de tudo, coletiva, realizada com recursos vindos das universidades públicas e dinheiro da sociedade, pagos através dei impostos.

Os sistemas de informação como parte dessa inovação tecnológica encaixam-se nos saberes e fazeres vindos da produção intelectual e acadêmica. A respeito dessa visão tecnológica, Dantas (2002, p.98) afirma categoricamente que “os sistemas de informação servem a um grande número de aplicações sociais, não diretamente lucrativas, todavia, num país tão desigual e injusto, tais sistemas de informação serviriam à educação e saúde pública, além de ser utilizada nas decisões políticas pelos cidadãos”.

Os sistemas de informações nascem de a necessidade do homem avançar a comunicação a um patamar mais tecnológico e ao mesmo tempo disseminar a informação de maneira mais rápida e eficiente. Esses sistemas reúnem um conjunto de tecnologias informacionais e comunicacionais, seja via rede ou não, que possibilita as pessoas terem acesso a serviços e produtos de informação necessários ao seu cabedal de conhecimento. Portanto, devemos colocar os sistemas de informação dentro do contexto social e não no âmbito do capital. Nesse ponto ainda, acrescenta Dantas (2002, p.98) que “os responsáveis políticos e os tecnocratas das comunicações continuam a molda-las exclusivamente para servir ao capital e ao lucro.  

Os espaços de criação e compartilhamento de informação que funcionam fora dos ambientes de controle social e hierárquico - impostos pelo capitalismo cognitivo - certamente permite muito mais acesso ao saber, sendo que os fluxos de produção de conhecimento seriam mais eficazes. Por isso, o uso de ferramentas tecnológicas de código aberto e software livre tornaram-se fundamentais para sedimentar estes espaços de intercâmbio informacional não

O neoliberalismo herdado do capitalismo cognitivo desmantelou o Estado de bem-estar social e privatizou grande parte dos serviços sociais, dificultando o acesso aos serviços mais básicos, no entanto essenciais para vida do cidadão. O fim destes serviços públicos, conforme Fumagalli (2010, p.320) tem motivado a extensão destes mesmos serviços por parte de uma gestão comunitária. Por exemplo, as frentes populares, que forma uma espécie de sociedade alternativa, ou seja, uma rede informal imbricada na discussão dos problemas sociais, na qual o neoliberalismo criou.  

As forças repressivas do estado e o controle dos meios de comunicação de certa maneira dificultam a ação das massas populares lutar e resistir contra o sistema econômico. Entretanto, para bem da humanidade, ainda há uns poucos que estão no embate para tentar ao menos furar a densa teia da rede, utilizando-se de uma comunicação informal e paralela.


sábado, 6 de agosto de 2022

As nuances da gestão do conhecimento

 

Entende-se por gestão do conhecimento todo processo de sistematização de trocas de saberes, que permite a produção de novos conhecimentos. A gestão do conhecimento envolve a assimilação e acumulação de saberes que possam ser devidamente compartilhados entre as pessoas. Assim, observa-se que a gestão do conhecimento não é um processo que reside especificamente no indivíduo, pelo contrário, trata-se de um processo coletivo, na qual as pessoas interagem entre si com o intuito de socializar seus saberes e fazeres.

Apesar de ser um conceito recente nascido do ambiente organizacional, a gestão do conhecimento tem seus antecedentes nas antigas práticas vindas de diversas culturas, tais como: a oralidade proveniente dos povos indígenas sul-americanos, que repassavam seus conhecimentos por meio de estórias contadas e transmitidas de geração a geração; as técnicas utilizadas nas oficinas dos antigos artesões (forjarias, cutelarias, ferreiros e outros); e as vinícolas na produção de vinhos na Europa.  

Estes conhecimentos geralmente eram disseminados entre pequenos grupos dentro de uma tradição muitas vezes familiar, isso demonstra que o conhecimento só gera valor a partir do momento que as trocas de saberes são realizadas. Não podemos negar que o conhecimento é algo pessoal - internalizado, porém sua aquisição depende de ações coletivas, na qual o conhecimento necessita ser repassado, o que denominamos de socialização do conhecimento.

A gestão do conhecimento como uma prática da modernidade, assim como as iniciativas de qualidade total, reengenharia, modelos organizacionais, criação de sistemas e métodos e qualquer outro tipo de modelo pós-fordista   provenientes de um capitalismo intelectual só se faz eficaz caso haja trocas efetivas de saberes, portanto, sem a interação entre os trabalhadores essas trocas tendem a fracassar.

Enfim, vivemos a era da economia da informação, numa sociedade dita sociedade do conhecimento, onde o poder do capital não está mais na produção de mercadorias e no trabalho manual das oficinas - e nem nas máquinas. Pois, as novas tecnologias de rede exigem que sejamos produtores-consumidores capazes de operar intelectualmente sistemas de informação, aplicativos, softwares e plataformas digitais, e dessa forma contribuímos para o seu desenvolvimento sem qualquer remuneração por isso.

Então, sem percebermos colocamos a disposição das grandes corporações de tecnologia todo o nosso saber e conhecimento, que é difundido coletivamente entre as pessoas. Com isso podemos afirmar que a gestão do conhecimento não se trata apenas de instrumentos vindos das tecnologias de informação, é muito mais que isso. Ela tem sua efetivação no grupo de pessoas, em trabalhadores intelectuais dispostos em compartilhar suas experiências competências, e saberes, do contrário, esses instrumentos de gestão do conhecimento são inócuos e dispensáveis.

Logo, o processo de gestão de conhecimento dentro dessa lógica do capital intelectual e financeiro assume um papel central para extrair suas capacidades, competências e habilidades, ou seja, uma mais-valia em cima do trabalho moderno - sendo que o conhecimento dos indivíduos só adquire valor se for combinado a outros conhecimentos. A atual pandemia nos fez perceber tal fato, cujo desenvolvimento das vacinas para o vírus do COVID-19 exigiu a combinação de vários conhecimentos por parte dos cientistas, em que as trocas de saberes anteriores foram preponderantes para sua fabricação. No entanto, foram as grandes empresas farmacêuticas que se aproveitaram destes saberes, para colocar no mercado as vacinas e obter grandes ganhos financeiros.com a valorização de suas ações no mercado.  

O nosso mundo contemporâneo não pertence mais ao velho caudilhismo  ditatorial das repúblicas da América Latina, muito menos do populismo de direita, ou de esquerda que se igualam aos antigos caudilhos, nem de longe tolera mais os ditames dos modelos tayloristas-fordistas de um capitalismo industrial arcaico, na qual os trabalhadores eram apenas engrenagens que impulsionavam as máquinas e certamente esse mundo não comporta mais a velha burocracia estatal, em que os serviços públicos sempre emperravam nos trâmites de documentos e papéis.

Os tempos e movimentos agora são outros, que exigem de nós um novo olhar para as práticas políticas, onde a tecnologia, a inovação e a busca contínua por informação e conhecimento proporciona uma infinidade de possibilidades ao homem. Porém, esses instrumentos tecnológicos - utilizados de forma errônea nas mãos de um governo tirano - passam a ser pernicioso, retirando o ser da coletividade e da luta por um objetivo em comum. Então, novamente caímos nestas antigas formas de governo, assistindo a volta dos velhos discursos reacionários que pregam um neoliberalismo torto, insano - que tolhe direitos aos serviços públicos para o cidadão. Discurso esse, que tudo deve ser privatizado e colocado aos pés do mercado.

No outro extremo, vemos ideologias de uma esquerda que prega não os princípios da democracia participativa com base nos conselhos populares, comitês de trabalhadores e na ampla participação das pessoas, mas vigora a ideia de um governo assistencialista, paternalista, da qual o Estado é o grande provedor que planeja e decide as ações e os rumos da nação. Ambas proposições (neoliberalismo e esquerda institucional) são nefastas ao desenvolvimento, ao trabalho e à produção.

Diz o velho ditado que o trabalho enobrece o homem, o faz crescer e o liberta, entendemos que não é bem assim. Somente aqueles se dão ao luxo do tempo livre são capazes de criar, inventar e talvez conhecer as belezas que o mundo oferece. Digo isso, por que o grande professor e escritor italiano Domenico De Masi mostra que somente no ócio somos capazes de sermos criativos e inventivos. Mas neste livro, vou tecer análises sobre outra obra do Professor De Masi. Em seu livro: Criatividade e grupos criativos: descobertas e invenções o autor faz relevantes considerações no que se refere ao mundo da ciência e da tecnologia, e que aqui julgo mais pertinente ao assunto que iremos delinear. Num primeiro momento o autor traz até nós a questão da globalização, sendo ela um mecanismo de aceleração e desenvolvimento da ciência. Permitindo - assim - os processos de colaboração, mas também de competição entre os cientistas, o que multiplicou descobertas e invenções (DE MAIS, 2005, p.348).

As fantásticas análises do Professor De Masi (2005, p.350) sobre a pesquisa científica e tecnológica em todo planeta decorrem de grandes incentivos financeiros, justamente por serem áreas do conhecimento que trazem em si enormes progressos materiais e se colocam a disposição da humanidade. Entretanto, o autor nos revela que a tecnologia da forma que for utilizada pode ser bastante nociva e gerar efeitos colaterais como desemprego e até mesmo o aparecimento de certas patologias, principalmente nas camadas sociais mais alienadas e marginalizadas.

Para De Masi, tais mudanças tecnológicas nos fornecem informações em tempo real do mundo, porém seu excesso torna-se extremamente danoso à saúde mental, que afeta diretamente a capacidade crítica do ser humano (justamente por criar medos e angústias). O excesso de informações e a disseminação de fake-news cria negativamente nas pessoas a incapacidade de processar e dominar novas informações, ou seja, estamos vivenciando a era da desinformação. Ao mesmo tempo em que as TICs encurtam distâncias, via rede e permite-nos trocar conhecimentos, a sociedade da informação de acordo com De Masi (2005, p.354) vivenciará novos egoísmos, solidões, estranhamentos e ampla corrida pelo desempenho, resultado, competividade e sucesso. A humanidade estará numa infinita dicotomia, bastante caótica.

A sociedade da informação, pós-fordista, tem suas estruturas dentro do capitalismo intelectual amparados pelas tecnologias da informação, na visão de Domenico De Masi essas tecnologias abrem grandes precedentes para uma democracia tecnológica pautada num mundo síncrono, por outro lado, uma elite muito pequena utiliza-se dessas tecnologias para dominar todo o sistema social por meio da mídia, aproveitando-se do desinteresse de grande parte da população pelas coisas da política. Determina De Masi (2005, p.368) que as novas tecnologias de informação aliada à redução dos custos trazem como desvantagem o desemprego e a poluição, porém tem aumento o Produto Nacional Bruto (PNB) de muitas nações influenciando diretamente na poluição. O aumento da riqueza de muitos países não foi benéfico para sua população, o que se vê neles são altos índices de desigualdades e depredação dos recursos naturais. Portanto, como afirma o próprio De Masi (2005, p.369): o Produto Interno Bruto (PIB) seja de qualquer nação não significa melhores índices para medir conhecimento, educação, e ou sabedoria.

Da mesma forma que De Masi aponta sobre a globalização e suas relações com as tecnologias do mundo contemporâneo, um outro autor – Marcos Dantas - escreveu em 2002 uma excelente obra: A lógica do capital-informação. Nela, o autor perfaz o caminho do Neoliberalismo, durante a privatização do sistema de telefonia e telecomunicações no Brasil, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), que entregou à iniciativa privada toda rede de telefonia do país por um preço irrisório. Essas privatizações não trouxeram em nada qualquer benefício para sociedade brasileira, mas certamente deixaram muitos políticos e empresários bilionários. Tudo à custa do patrimônio público.

Dantas (2002) coloca para nós, em sua obra, que a revolução tecnológica neste início do século XXI trata-se de uma reprodução eminentemente capitalista, sendo parte da atual economia da informação, a qual grandes corporações apropriam-se dos conhecimentos e saberes produzidos pela ciência e tecnologia.   

terça-feira, 26 de julho de 2022

Manifestações para democracia ou democracia para manifestações


O título do texto é uma pequena provocação que faço aos leitores, no intuito de pensarmos as manifestações, protestos, revoltas e revoluções como instrumento político da classe trabalhadora e dos jovens para se rebelar contra o "status quo" imposto pelo estado, ou mesmo uma ação contraria a tirania das grandes corporações. As manifestações nascem da ira, sentimento esse oposto ao ódio. A ira vem dos "timus", da vontade de mudança, um sentimento próprio daqueles que desejam alterar as antigas estruturas em prol das melhores condições. Ao passo que o ódio está ligado ao ressentimento - uma certa impotência que nos impede de refletir nossas ações de forma clara, cristalina. O ódio desperta todo sopro de vida, nos reduz ao rancor eterno. Enfim, o objetivo deste texto não é explanarmos sobre sentimentos, dado que se trata de uma visão política, econômica e social.

Será de fato que as manifestações, protestos e revoltas são entidades tipicamente democráticas, ou elas têm sua efervescência e efetividade somente mediante aos regimes totalitários e ditatoriais, que impedem as liberdades básicas dos homens. A história nos mostra que os grandes movimentos de rua, por exemplo, deram-se mediante aos estados de exceções, cuja população precisava exprimir sua ira contra a opressão, seja do Estado, ou das grandes corporações privadas.

Qualquer democracia existente no mundo, que saibamos, não veio da vontade dos governos ou da classe burguesa. Para eles é muito mais cômodo manter um poder supremo, da qual as liberdades de expressão, os direitos universais e o voto direto sejam suprimidos. É uma maneira que o pacto entre Estado e elites privadas encontram para alienar e dominar. Já a democracia - não essa liberal e representativa, que se assemelha ao identitarismo e onde as decisões são centralizadas num representante político - e sim, numa democracia participativa, na qual as decisões partem dos conselhos, associações e agremiações formadas por trabalhadores e população em geral - traz em si uma via de esperança para que se realize as principais conquistas, tão desejadas.

A democracia participativa sem dúvida foi é ainda é um protagonismo de lutas encampadas pelos trabalhadores, jovens e mulheres que com sua ira forjaram a ferro e fogo o fio da navalha da história, justamente para cortar dos ditames da repressão imposta pelos opressores. As manifestações, protestos e revoltas são atos seculares, e não uma invenção do contemporâneo, que foram essenciais para reconfigurar e moldar as estruturas sociais de um estado decadente. A exemplo, a revolução francesa no final do século XVIII deixa claro essa necessidade de mudança, que culminou com a tomada da Bastilha -impondo fim de um regime absoluto de opressão contra a população da França.

Nas ruas da cidade, os gritos, a agitação popular com suas faixas, cartazes, megafones, pedras e paus (verdadeiras armas de protestos) caminha a multidão em passeata nem sempre pacífica. Alguns mais exaltados e também muitos infiltrados - que não estão ali pela verdadeira causa - mas apenas gerar tumulto e confusão, no desejo de praticar atos violentos destruindo bens públicos e privados, que possuídos pelo ódio acabam por desestabilizar o movimento. Esses infiltrados ou mesmo aqueles que erguem suas bandeiras são contidos, quase sempre com truculência pelo aparato de repressão do Estado. Tal aparato de repressão - subserviente ao poder das elites contrarias aos atos democráticos - alegam sua presença em nome da paz, da ordem e segurança, com a função de proteger os próprios manifestantes. Sabemos que isso não passa de um engodo, uma grande mentira. Pois, os aparatos de repressão servem aos caprichos do poder, sendo aparelhados para combater qualquer ato que ameace o bem-estar e o poder das elites. Basta vermos as operações deste aparato nas comunidades e periferias mais carentes, onde convive-se com uma violência crônica

No entanto, os movimentos populares e dos trabalhadores encontram nas redes sociais um forte aliado para direcionar suas causas e reivindicações. Pois, as redes descentralizam as lideranças dos movimentos, da qual não há mais palanque para líderes políticos, ou mesmo, uma figura central de comando nas manifestações. Tais movimentos populares permitiram ações orquestradas de forma que todos são anônimos em sua organização. Neles, o coletivo se sobrepõe ao indivíduo, um corpo único.

Vemos então que a concepção de corpo prevalece sobre coletivo, e não mais a individuação. Fator este que explica a necessidade de compreendermos as manifestações atuais como um mecanismo próprio das tecnologias de informação atuantes no sentido social e político e mais ainda dentro do conceito do biopoder foucaultiano. Sendo o biopoder uma ação das forças de controle social que atua diretamente sobre os corpos. 

Quando temos a junção dos movimentos populares ou de trabalhadores indo a rua, por meio da ação da redes sociais descentralizadas - como foi no Brasil em 2013, que culminou no enfraquecimento da esquerdas institucionais e fez com que a direita reacionária viesse ascender novamente no poder - é sinal que podemos desatar os nós imputados pelas forças controladoras. Melhor ainda, sem precisarmos da presença de um elemento organizador e centralizador. Bem, com as redes sociais, tais movimentos ocorrem de forma difusa, onde cada membro ali presente guarda em si suas crenças, valores éticos e sentimentos. Portanto adicionar ao coletivo mais força em prol da causa.

Quanto ao movimento (de resistência) ocorrido em 2013 no Brasil, não podemos deixar de esclarecer que sua gênese foi motivada pela insatisfação com a classe política. Na época encontrava-se no poder um governo de esquerda que rompeu com os ideários populares da sociedade e não conseguiu entender as vozes da rua. Os protestos de 2013 englobam não só os trabalhadores precarizados, mas também a classe média e jovens inconformados com a corrupção e os serviços públicos. Infelizmente, a esquerda institucional na época perdeu o bonde da história para retratar-se, deixando espaço para uma extrema direita ineficaz com desejos de exacerbação do neoliberalismo, ou mesmo, do anarco-capitalismo. Certamente, se a esquerda institucional pegasse a via do diálogo aberto, escutando os ecos soados pelas manifestações não entraríamos no atual turbilhão de caos. Portanto, cabe aqui tecermos críticas às esquerdas institucionais e passem a ouvir os intelectuais da esquerda pensante.

Se no passado as manifestações, os protestos e as revoltas faziam sentido para as lutas dos trabalhadores contra as forças do capitalismo industrial, sendo que a busca era por melhores condições de vida e salário dignos - hoje no capitalismo financeiro a essência continua a mesma. Ao longo dos séculos a opressão (por parcela do capital) contra as classes mais pobres continua operante mais do que nunca. A mais-valia ainda é o mote para que os movimentos populares e de trabalhadores continuem vivos.

As redes socais viraram palco principal para aqueles descontentes dotados de uma ira pulsante, sentimento esse, que na idade média moviam os exércitos para verdadeiras cruzadas e as épicas batalhas - da mesma forma que os gladiadores da Roma antiga. Elegemos então a ira, como o sentimento das manifestações e dos protestos, diga-se que sem ele não há mudanças.

As crises correntes do sistema capitalista tornaram-se inevitáveis e a classe trabalhadora não pode mais arcar com as mazelas vindas destas crises, portanto, os movimentos de ruas são legítimos e próprios do Estado democrático enquanto apresentam uma reposta lúcida à esquizofrenia pulsante de um capitalismo em decadência e também de outros sistemas econômicos minam os direitos sociais.

Entretanto, as reivindicações destes movimentos ainda não encontraram uma resposta efetiva que substitua o atual sistema pautado no capital, A questão para o problema ainda carece de uma construção política que seja pensada no terreno do coletivo. Porém, não acredito numa retomada das antigas estruturas do comunismo, anteriores a Marx, conforme descreve Dardot e Laval no livro: Comum: ensaio sobre a revolução no século XXI de 2017 ao citar uma passagem de Santo Ambrósio sobre a relação da religião e o direito à propriedade. Nem mesmo vejo uma volta às antigas origens do socialismo utópico e científico proferido nas obras de Hegel, Proudhon e Marx. 

Talvez, que ainda com muita incerteza, o desejo das multidões revoltosas sejam apenas abalar as frágeis estruturas desse neoliberalismo capenga e daí por diante não temos como saber o que irá ocupar o seu lugar.

Enfim, muitos destes infiltrados, ou mesmo os propósitos de algumas dessas manifestações estão ligadas aos grupos de interesse, que manipulam cinicamente em prol de vantagens, na maioria desconhecidas até mesmo por aqueles que participam dos atos, mas que certamente estes grupos financiadores sabem muito bem as razões.

É um tanto ingênuo acreditar que os grandes dilemas colocados pelo mundo se resolve por meio de um eu - interior, ou seja, no mais puro individualismo. Somente o coletivo, a massa popular tem instrumentos capazes de combater as imposições do sistema, seja ele incorporado pelo capital ou pelo Estado.

Agora, diante desse vírus pandêmico (que assola o planeta e nos torna refém, às vezes de nós mesmo) nada foi tão eficaz quanto ele para se impor contra os movimentos de rua, nem mesmo os aparatos de repressão conseguiram tal efeito. Saibam que esse vírus atua no campo político, ou melhor dizendo, dentro da biopolítica que leva os corpos a se recolherem num regime de isolamento, assim impedindo a luta corpo a corpo.

Para que possamos romper com a dualidade Estado e mercado é preciso que os recursos econômicos pertencentes indistintamente a toda sociedade possam ser administrados e acessados de maneira coletiva. O Estado e o mercado apropriam-se mutuamente dos recursos econômicos existentes, como a água e solo. No caso, o mercado privatiza esses recursos e os vendem, gerando assim o lucro. Já o Estado ao apropriar destes recursos, os utiliza como moeda política em troca de benefícios públicos ou privados. Enquanto, a grande maioria da população padece por falta desses recursos, que deveriam ser comuns a todos.

Entendemos por recursos econômicos aqueles capazes de gerar valor, que podem ser transformados em bens e posteriormente consumidos. Como os recursos retirados da natureza (por exemplo: os minérios que servem de matéria prima para indústria de transformação) da qual servem às necessidades do ser humano.

Entretanto, por uma questão de comodidade a sociedade prefere deixar a cargo do Estado, ou mesmo, da iniciativa privada que tais recursos econômicos sejam por eles gerenciados. Assim se transformando numa relação de consumo, a qual o indivíduo paga para obter um serviço ou produto que poderia ser coletivamente comum a todos. Aqui utilizamos o termo recurso econômico, que se equivale à bem econômico, pode ser tanto um bem público, como um bem privado. 

Todavia, esses recursos econômicos em sua grande maioria são passiveis de escassez e conforme o uso, frequentemente, sofrem reajustes positivos em seu valor, fato que impede sua ampla utilização por toda população. Isso explica as teorias econômicas por detrás da escassez.

A prova é que não estamos preparados para viver o tão sonhado coletivismo. Pois, somos seres dotados de uma certa individualidade não muito bem explicita, de um certo egoísmo narcísico que nos impede de gerenciar os recursos econômicos de maneira eficaz e sustentável. Essa, talvez, seja uma alegação para permitir que o Estado faça o papel do grande gestor e centralizador dos recursos, da mesma forma que alega a iniciativa privada ( o mercado) como único transformador de matérias-primas em mercadorias, tudo isso para atender os desejos egoicos da coletividade. Mas, sabemos que o interesse do mercado se pauta na individualidade do ser.

A ideia do coletivismo está muito próxima de uma visão anarcossocialista, sendo fortemente rechaçada pelos neoliberais do mercado como uma via puramente decadente. No entanto, temos fortes convicções de que o neoliberalismo em suas constantes crises foi incapaz de reformular seu sistema econômico para torná-lo perfeito, duradouro e se quer debelar a miséria humana.

Sim, certamente poderíamos organizar as decisões da coletividade e possivelmente orientar as necessidades materiais básicas, sem a presença da força capitalista, ou da pressão estatal sobre nossos ombros. Basta querermos enxergar as comunidades rurais, por exemplo, que trabalham dentro de uma lógica produtiva baseada no cooperativismo; as associações de bairros organizados em prol de melhorias e da urbanização de suas comunidades.

São essas, ações que partem dos próprios cidadãos, que acreditam no espírito da cooperação e da participação; Os comitês de fábrica que gerenciam a sua própria produção e elegem seus representantes para os conselhos de administração e sindicatos dos trabalhadores. Essas são atitudes coletivas e independentes de um poder centralizador, seja do Estado, ou seja da Iniciativa privada.

Portanto, se quisermos de fato que o coletivismo seja atuante na gestão dos recursos econômicos, para ser comum a todos, torna-se mister a participação de todos contribuindo com seus fazeres e saberes. O saber e o fazer são elementos essenciais para o desenvolvimento do coletivo, da qual o conhecimento precisa ser compartilhado entre todos. Assim sendo, a gestão do conhecimento uma ferramenta valiosa para o que os saberes e os fazeres da coletividade possam ser amplamente difundidos. Explicaremos com mais detalhes no próximo capitulo as nuances da gestão do conhecimento e a sua importância na transformação da sociedade.

Para Dardot e Laval (2017) o capitalismo mostra-se incapaz de lidar com suas próprias crises, sendo então um sistema desastroso que afeta praticamente todo o planeta. Para irmos mais longe - o capitalismo neoliberal nas palavras desses dois autores é enfático - por mostrar que sua expansão incide diretamente na vida daqueles mais pobres. Pois, aquela camada mais miserável da população são as primeiras a serem atingidas pela nociva mudança climática, onde os recursos naturais tornam-se escassos e seus preços são inflacionados.

Em seu livro Dardot e Laval (2017) aponta algumas proposições políticas, no intuito de pensarmos o tenebroso avanço do neoliberalismo que fragmenta toda tentativa de construirmos um projeto político direcionado para as ideias da coletividade. Tais princípios, que os autores nos apresentam pode ser o início de um novo olhar em relação ao mundo que tanto desejamos, centrado numa democracia mais participativa com viés para grandes mudanças sociais.

Cada proposição tem como objetivo colocar aquilo que é próprio do individual dentro do âmbito do coletivo e assim transformar a representatividade da democracia em algo que todos possam ser inseridos. Para estes autores, a força do trabalhador está nos movimentos sindicais e cooperativos. Somente eles são capazes de criar a coletividade e amplificar a consciência de classe. Da mesma forma, é o pensamento das forças socialistas. Certamente, isso o capitalismo jamais vai reconhecer, por engendrar em suas entranhas o individualismo, próprio do consumismo.

A política do coletivo centra-se no governo de todos, em que a participação está vinculada às relações sociais, e é independente das forças de poder centralizadoras, sejam elas neoliberais, conservadoras ou mesmo liberais. Muito menos subjugada aos poderes burocráticos ou tecnocráticos, que endossam a presença do Estado.

Outro ponto relevante que Dardot e Laval (2017, p.527) discorre em sua obra é a respeito da economia social, como alternativa ao sistema capitalista. Sendo assim a economia social um elemento essencial ao desenvolvimento produtivo, que se ampara na igualdade e solidariedade. Instrumentos próprios da democracia participativa e do cooperativismo. Bem, a economia social como política vinda do coletivo atua diretamente como instituto para mitigar as desigualdades sociais e econômicas, ao passo que o trabalho produtivo vincula-se ao desenvolvimento humano.

No coletivo, o homem não está preso aos ditames da máquina-tempo capitalista, sobra-lhe tempo para mobilizar-se e também refletir sua participação na construção política o social. Enquanto no modo capitalista, o homem torna-se escravo do tempo e das máquinas, onde deve obediência laboral aos donos dos meios de produção. No capitalismo financeiro, este mesmo homem passa ser subserviente ao dinheiro, aos juros e a todo tipo de maniqueísmo forçado pelo capital improdutivo.

Na economia social a democracia é muito mais cristalina e vista a olho nu, pelo fato do trabalhador não está mais preso aos entraves burocráticos de um Estado controlador, ou então, sob domínio de grandes corporações que detém as rédeas do capital financeiro. O conceito de economia social, renda básica universal não é nenhuma novidade, sendo amplamente defendida por economistas marxistas e diversos outros ligados ao espectro do “welfare state”.    

segunda-feira, 13 de junho de 2022

A cidade

 

"A cidade é lugar da dança, do sexo, do amor, do ódio, das paixões.
A cidade comporta as trocas, os saberes, os fazeres.
A cidade engloba a cultura, as crenças e os valores.
A cidade é a mulher que nas manhãs se resguarda em seu recato, mas a noite se desnuda para o seu amante".

Todas os dias acordamos cedo, bebemos nosso café e fazemos nosso desjejum matinal, porém milhões de pessoas não possuem este pequeno luxo, mas tão precioso para a vida. Assim é a cidade, a polis para os gregos, a urbe, com seu traçado divididos em quarteirões, ruas, avenidas, algumas contém suas praças, parques desenhados numa arquitetura que engloba edifícios, arranha-céus, shoppings, lojas. Em suas ruas transitam veículos particulares e públicos: carros, motos e ônibus. Algumas pessoas com uma visão mais ecológica preferem os transportes alternativos como bicicletas ou mesmo caminharem a pé.

Entre edifícios luxuosos, condomínios fechados habitados pela elite e a parcela de uma classe média que compõem o cenário central da cidade, entretanto, a poucos quilômetros dali há uma realidade totalmente discrepante, um lado sombrio que a cidade esconde, dominado por barracos muitas vezes de madeira, latão, ou construções inacabadas de alvenaria - residências - se assim podemos denominar.

Nelas um amontoado de seres humanos que dividem um único cômodo. Pessoas alijadas da sociedade por não ter emprego, salário ou renda - às vezes, subempregados que vivem de pequenos serviços - ou até mesmo empregados assalariados, mas que devido ao baixo salário não consegue pagar um aluguel, por causa do alto valor dos imóveis.

A cidade que comporta o público e o privado, representada pelo poder público daqueles que elegemos, e em cada gestão apresenta falsa soluções para os velhos problemas: saneamento, moradia urbanização das comunidades, aumento do número de escolas, hospitais, postos de saúdes, o mínimo que todo cidadão tem direito. Do outro lado, a elite empresarial que ocupam os edifícios sede de suas corporações e na maioria das vezes donos das áreas que foram ocupadas para construir as comunidades. Portanto, os conflitos de terra são frequentes e violentos, para que essas áreas ocupadas sejam reintegradas aos seus donos com apoio do aparato de segurança do governo, que utilizam de enorme truculência.

Neste encalço, a cidade amanhece e anoitece em seu ritmo frenético, cada esquina e marquise habitam aqueles despossuídos de tudo e a rua torna-se seu lar, em meio ao vício das drogas perfazem uma grande colônia de seres completamente desassistidos pelo poder público. Esse mesmo poder aliado aas elites colocam toda sua truculência contra os moradores de rua e os habitantes das comunidades (favelas). Assim vivem os invisíveis sociais, que só aparecem nas manchetes de jornais em meio a conflitos, por gera audiência. A cidade desenhada, planejada e democrática não é de fato essa em que vivemos, talvez, a polis descrita pelos filósofos da Grécia antiga seja apenas uma utopia bastante longínqua.  

A cidade real, em que acordamos todos os dias, fatalmente não está preparada para o caos pandêmico, certamente poderá sucumbir se não tomarmos boas medidas de profilaxia. Se o vírus é biopolítico e reina no meio urbano precisaremos envolver toda uma força tarefa composta por arquitetos, urbanistas, sanitaristas intrincada a uma boa gestão pública que tenham eficazes políticas sanitárias e de reurbanização. Sem esses elementos a cidade perecerá no caos.

Podemos dizer que a cidade é o berço da produção capitalista, onde a mercadoria é o grande fetiche da sociedade. Em seus bairros industriais o trabalhador se desloca em transporte público mal gerido, portanto sujeito ao vírus, e concomitantemente à morte. Saibam que trabalhador é o produtor da mercadoria e ao mesmo tempo o seu consumidor, por via de regras, sua morte representa o fim da mercadoria.

As relações de conhecimento se dão no plano das cidades, com suas universidades, faculdades, centros de pesquisa, bibliotecas, museus, teatros, arquivos e outras formas de disseminação cultural. Nestes espaços do conhecimento concentram-se professores, pesquisadores, intelectuais, artistas, cientistas e filósofos que colaboram para o desenvolvimento de pesquisas que beneficiam indireta ou diretamente empresas, governos, ao mesmo tempo trazendo grandes ganhos sociais. Mas é nela, a cidade, que o vírus predomina, quando os trabalhadores saem de casa para pegar o transporte coletivo, quase sempre lotado e permitindo que o vírus se espalhe e chegue até o outro. De ser em ser todos já estão infectados. A partir daí vírus funde-se a ela, transformando-se numa amálgama impenetrável impossível de se combater.

A economia não pode parar, grita em alto e bom som os donos dos meios de produção, é preciso produzir, vender e consumir para que o lucro não seja cessado. Neste tom brada o capitalista, queremos mais lucro e não nos importa caso o vírus mate mil, dez mil, cem mil ou um milhão de pessoas, basta apenas o lucro que o trabalhador produz. Já o Estado endossa e venera a fome do mercado a qualquer custo.

Num recorte mais sociológico e antropológico, a cidade apresenta uma multivariedade cultural trazida pelos fluxos migratórios, que permite explicar a evolução histórica de suas lutas de classes. No interior desse caldeirão histórico inclui-se a dominação de vários povos, como os negros africanos, indígenas brasileiros, aborígenes da Oceania, os povos originários de parte da América do Sul, central e do Norte, que foram escravizados e dizimados pelos dominadores europeus. Mais recente, podemos citar o povo judeu que sofreu todo tipo de tortura, e milhões morreram durante o holocausto, período da segunda guerra mundial nos meados do século XX.

Assim como a fábrica, a cidade obedece a divisão de classes que se define por uma culturalização heterogênea, impar e bastante conflitante. Os guetos, as favelas e a periferia perfazem a cultura da rua, com uma linguagem própria que se fasta dos limites habitados pelas elites. Nelas encontramos uma forma de expressão singular, quase um dialeto falado pelos "manos da quebrada", entre eles a comunicação revela-se bastante audível e perfeita. No entremeio encontra-se a classe média povoada por aqueles que não reconhecem, ou deixaram de reconhecer a realidade da periferia e das comunidades, geralmente localizam-se no entorno da cidade e com seu pensamento consumista estão presentes em lojas e shoppings. Sob o ponto vista sociológico, a classe média permeia uma camada bastante fluída da sociedade, que possui um certo poder aquisitivo proveniente das massas salariais medianas ou altas, ainda sim vendem sua força de trabalho, de aspectos mais intelectuais, ou mesmo, atuam como profissionais liberais que incluem os advogados, médicos, engenheiros, arquitetos, vendedores e outros.

A cidade num panorama histórico tende a guardar memórias de sua evolução, mas no aspecto geográfico e ambiental sofrem constantes mudanças, suas ruas, avenidas, edifícios não são eternos.  As evoluções acontecem, dado que a especulação imobiliária e empresas de construção civil precisam garantir seu quinhão de lucro e atender as demandas de novas produtos.

A indústria da construção civil é grande modificadora dos espaços urbanos, em um ritmo frenético torna a cidade um lugar dinâmico, dotado de vida à custa de muitas mortes, porém cheio de conflitos e desigualdades.

Os espaços urbanos sofrem mutações constantes, seja pela migração de pessoas, ou pela alteração geográfica e quiçá nas modificações causadas pelo traçado arquitetônico e urbanístico.

A gentrificação é o exemplo dessa alteração em todo "modus operandi" da cidade, que pode ser tanto migratória, quanto urbanística. Lembrando que ela expulsa de sua área central aqueles que não conseguem manter um padrão de vida compatível aos altos valores dos alugueis. Portanto, os que tem uma renda elevada usufruem das melhorias realizadas nos bairros, antes ocupados pelas classes mais baixas.

Sob a ótica de Marshall Berman - na excelente obra: "Tudo que é solido se desmancha no ar" - encontramos dois importantes momentos sobre a interação do homem com espaço urbano e a sua efetiva alteração. Num primeiro momento Berman discorre sobre os bulevares parisienses do século XIX, como uma dimensão moderna da cidade, assim ele coloca:

" Os novos bulevares permitirão o tráfego fluir pelo centro da cidade e mover-se em linha reta, deu extremo a outro [...] eles eliminariam as habitações miseráveis e abririam "espaços livres" em meio a camadas de escuridão e apertado congestionamento. Estimulariam uma tremenda expansão de negócios locais em todos níveis e ajudariam a custear imensas demolições municipais, indenizações e novas construções. Pacificariam as massas, empregando dezenas de milhares de trabalhadores e gerariam milhares de novos empregos no setor privado". (BERMAN, 1982, p.194).

Com isso, afirmamos que os bulevares de Paris foram uma das primeiras marcas da gentrificação, que permitiu a urbanização e a modernização da cidade. No entanto, esse planejamento urbano que incluiu grandes mudanças na arquitetura local, com a demolição de velhos prédios e a destruição de bairro inteiros não modificou em nada a realidade dos trabalhadores e muito menos dos antigos habitantes que foram jogados os rincões mais distantes. A construção dos bulevares parisienses demonstrou ainda mais a face da miséria humana, e criou um espaço de conflito.

Nesse mesmo sentido, a visão de Berman converge-se para o modernismo, colocando a rodovia como um aspecto principal de espaço urbano do século XX, sendo que a indústria automobilística foi eleita como o símbolo da modernidade em termos de eficiência da produtividade e empregabilidade. A rodovia apresenta-se como a vedete maior da evolução da cidade. Portanto, o planejamento da pólis no pós-modernismo concentra-se no tráfego de veículos, nas avenidas largas. Enfim, a vida moderna está sob as rodas e motores.               

Portanto, as relações de oferta e demanda estão intimamente ligadas às trocas comerciais realizadas no ambiente urbano das cidades, nelas encontramos os templos do mercado financeiro, como bancos, corretoras, agências de empréstimos, além de profissionais atuantes no mercado do dinheiro e por fim a Bolsa de Valores, considerada o Olímpio da financeirização. 

A respeito da cidade Fumagalli e Mezzadra (2011, p.362) apontam a metrópole como o lugar de luta, assim como foi a fábrica no passado. A luta dos trabalhadores, que agora está nos braços da população precisa encaminhar-se para alcançar a plena democracia, que segundo Fumagalli e Mezzadra seria o instrumento único e capaz de destruir o rentismo.

A crise nas cidades emerge do capitalismo extremado, onde estado de bem-estar social dá lugar ao neoliberalismo que precariza a vida do trabalhador pelo fato da renda concentrar-se nas mãos dos rentistas, assim persiste as desigualdades sociais e econômicas.

Certamente, as análises de Fumagalli e Mezzadra com relação a metrópole são posteriores e convergem para os escritos marxistas, que ainda são bastantes atuais e visíveis. Sendo que Marx em sua obra: Grundrisse discorre sobre as cidades como local do comércio e das trocas de mercadorias. Historicamente temos relevantes cidades que imperam como centro comerciais no século XV, como Londres (Inglaterra), Bugres (região de flandres) e Lubeck (Alemanha) que operavam no comércio de lã, vinho, ferro, armas e outros produtos. Com destaque Londres foi um importante palco para a formação do proletariado, da fábrica, da renda e do lucro e principalmente impulsionar as lutas de classe que culminou nas ideias democráticas.

O próprio Marx coloca a cidade como um espaço fértil para o surgimento das primeiras manufaturas ao lado da formação do trabalho assalariado, portanto, o local da exploração pelo capital. Com isso, deduzimos que a cidade seria o ambiente ímpar, único e talvez exclusivo para o nascer das ações democráticas, já que havia um forte sentimento de luta por parte dos trabalhadores.

Seria então, a cidade - na concepção marxista -  autônoma, por canalizar a produção, a mercadoria e as trocas e ao mesmo tempo funcionar sob a efervescência dos corpos que a habitam. Porém, os homens estão presos ao trabalho, a renda e ao dinheiro. Nelas o homem não domina mais o capital, pelo contrário, o capital faz do homem seu servo, seu escravo.

No atual momento, nessa louca contemporaneidade da qual impera as tecnologias e redes sociais, o capital financeiro e intelectual, o conhecimento raso das coisas - a cidade transformou-se numa profusão de corpos e egos que exalam diferentes cheiros e matizes abertos a todo tipo de contato pandêmico que dissemina sobre o tecido social, substancialmente aqueles que habitam as profundezas subterrâneas mais sujas da metrópole.   

A respeito das cidades, como a Meca representante do capital e símbolo do “status quo”, escreve De Mais (2005, p.415) que ela:

“Durante milênios foram locais de consumo dos produtos rurais e que por dois séculos foram o lugar de produção dos bens industriais, modificaram rapidamente as suas funções, aparelhando-se de modo a serem hoje o lugar das transações e do lazer”.       

Diante de tal afirmação, colocada pelo autor, conclui-se que a cidade é verdadeiramente um organismo vivo (pulsante) e mutante que se configura e reconfigura-se conforme sua necessidade e vontade. Ela, a cidade, adapta-se às mudanças imposta pelo capital, provavelmente se as forças políticas da cidade não oferecer uma contraposição benéfica ao capital, este se deslocará para outra mais atraente. Possa parecer um tanto obsceno, mas a relação entre a cidade e o capital, geralmente é um tanto promíscua.

segunda-feira, 9 de maio de 2022

O racionalismo irracional

 

Esse capitalismo cognitivo financeirizado, na qual a produção material deixou de existir, tem nos arremessado para o interior de um certo racionalismo irracional, em que tudo dever ser detalhadamente justificado. Até mesmo as coisas mais banais do cotidiano requerem explicações que sejam minimamente satisfatórias. Com avanço tecnológico e o advento das redes sociais como parte dos meios de comunicações a situação tornou-se mais crítica. Pois, nas redes sociais esse dito racionalismo irracional, obra de um cartesianismo moderno e ilógico, fica muito mais evidente. Busca-se respostas para questões obvias e visíveis, que em grande parte encerra-se em si mesma. Mas a discussão em torno do assunto é levada até as últimas consequências, onde um lado não aceita o não como resposta final. O tema torna-se hiperbolizado e não se esgota em um simples sim ou não.

O racionalismo irracional, próprio deste capitalismo cognitivo, nasce justamente desse tempo de excesso informacional - um oceano infindável de informações e dados – da qual os meios de comunicação junto às tecnologias da informação e de redes sobrecarregam nossas mentes e nos intoxicam, gerando a síndrome do pensamento rápido. Exige-se soluções imediatas para antigos problemas que são resolvidos apenas se tivermos a capacidade total de concentração e reflexão. Está posto aí as contradições vindas desta modernidade severamente doente.

Pois, sobre este racionalismo irracional podemos dizer, então, trata-se de uma construção linguística, em que o excesso de racionalidade cartesiana nos faz movimentar para irracional, ou melhor, o nosso raciocínio para aquilo que é lógico, simples e evidente exige “porquês” cada vez mais profundo, explicações minimamente detalhadas, muitas vezes respostas insanas ou mesmo irrespondíveis. Nesta loucura do capitalismo cognitivo, nem o corpo e muito menos a mente se satisfaz com a singularidade do não e tudo precisa adentrar no nível da complexidade. Isso é o que denominamos de racionalismo irracional, não basta mais um sim ou não, toda reposta deve vir seguida de uma longa e laudatória explanação.

Com isso, as críticas tornaram-se mais ferrenhas, onde, por exemplo uma posição política deve ser detalhadamente explanada ao seu interlocutor (talvez, uma espécie de agente inquisidor). Hoje, qualquer falta de decisão, ou melhor indecisão é bastante mal vista pela sociedade, não cabe mais o ar da dúvida. O ficar em cima do muro virou um crime, dessa forma somos forçados a escolher e explicar nossas decisões. Então, para tudo que falamos deve-se ter uma reposta pronta, muitas vezes padronizada. De preferência aquelas que agradem os ouvidos do interlocutor.

Esse excesso monstruoso de informações e dados tem nos jogado para dentro desse racionalismo irracional, fruto de um capitalismo cognitivo vem escancarando a nossa fragilidade psicológica e o quanto somos carentes de informação reais e objetivas. Nos apegamos à superficialidade dos fatos, sem ao menos depurá-los e analisa-los minuciosamente. Isso tem gerado grandes problemas no âmbito da comunicação, pois temos disseminado com isso uma quantidade gigantesca de notícias falsas -  as famosas fake news.

O racionalismo irracional também pode atuar nesse ambiente de propagação da informação descabida, muitas vezes notícias sem qualquer conteúdo e fatos que carecem de uma averiguação mais detalhada, que mediante as redes sociais e plataformas de comunicação na internet tiveram sua audiência amplificada, fazendo com que uma simples imagem, vídeo, entrevista ou nota em um site, blog torna-se uma verdade absoluta e assim prejudicar a compreensão real dos fatos. Agora muitas dessas notícias a depender de sua repercussão, ou caráter vexatório acabam transformando-se em verdadeiros memes.

Contudo, a disseminação dessas informações falsas atinge diretamente o fazer cientifico e em nada contribui para a comunicação acadêmica. Para os meios de comunicação tradicionais, as notícias falsas em redes sociais são bastante prejudiciais, justamente por gerar confusões e favorecer no descrédito dos fatos e análises reportados por jornalistas sérios que ocupam os jornais impressos e os meios radio-televisivos.

Enfim, falar do racionalismo irracional pode parecer um tanto estranho, algo que parece longe de modo de pensar as coisas. Mas que recai justamente sobre a nossa incapacidade de absorver, analisar e reter grandes quantidades de informações, não pela sua escassez e sim pelo excesso. Fica mais fácil falar que o racionalismo irracional claramente sobrevoa nos céus da desinformação a da manipulação dos fatos, principalmente aqueles de cunho científico e político, que mais interessam ou não a grande parte da sociedade. Só sabemos que a síndrome do pensamento rápido e a busca frenética por soluções mágicas tem trazido uma enorme angustia para nós humanos, tornando-nos cada vez mais doentes. Bem, diversos estudos científicos apontam que os índices de doenças mentais, principalmente a depressão já são alarmantes em todo planeta. Vivemos, sem exagero, uma epidemia de doenças causadas pela tecnologias e excesso de informacional. Isso demonstra o quanto excesso de informação, o tempo que passamos nas redes sociais e nas plataformas tecnológicas, que deveria ser apenas uma ferramenta de produtividade, ou lazer pode ser altamente tóxica a nossa saúde mental e também física. Em suma, podemos dizer que esse tal de racionalismo irracional de certa forma tem uma forte ligação com o biocapitalismo de Antonio Negri e bebe da fonte do operaísmo italiano.

Natureza

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