O título do texto é uma pequena
provocação que faço aos leitores, no intuito de pensarmos as manifestações,
protestos, revoltas e revoluções como instrumento político da classe
trabalhadora e dos jovens para se rebelar contra o "status quo" imposto
pelo estado, ou mesmo uma ação contraria a tirania das grandes corporações. As
manifestações nascem da ira, sentimento esse oposto ao ódio. A ira vem dos
"timus", da vontade de mudança, um sentimento próprio daqueles que
desejam alterar as antigas estruturas em prol das melhores condições. Ao passo
que o ódio está ligado ao ressentimento - uma certa impotência que nos impede
de refletir nossas ações de forma clara, cristalina. O ódio desperta todo sopro
de vida, nos reduz ao rancor eterno. Enfim, o objetivo deste texto não é
explanarmos sobre sentimentos, dado que se trata de uma visão política,
econômica e social.
Será de fato que as manifestações,
protestos e revoltas são entidades tipicamente democráticas, ou elas têm sua
efervescência e efetividade somente mediante aos regimes totalitários e
ditatoriais, que impedem as liberdades básicas dos homens. A história nos
mostra que os grandes movimentos de rua, por exemplo, deram-se mediante aos
estados de exceções, cuja população precisava exprimir sua ira contra a opressão,
seja do Estado, ou das grandes corporações privadas.
Qualquer democracia existente no mundo,
que saibamos, não veio da vontade dos governos ou da classe burguesa. Para eles
é muito mais cômodo manter um poder supremo, da qual as liberdades de expressão,
os direitos universais e o voto direto sejam suprimidos. É uma maneira que o
pacto entre Estado e elites privadas encontram para alienar e dominar. Já a
democracia - não essa liberal e representativa, que se assemelha ao
identitarismo e onde as decisões são centralizadas num representante político -
e sim, numa democracia participativa, na qual as decisões partem dos conselhos,
associações e agremiações formadas por trabalhadores e população em geral -
traz em si uma via de esperança para que se realize as principais conquistas,
tão desejadas.
A democracia participativa sem dúvida
foi é ainda é um protagonismo de lutas encampadas pelos trabalhadores, jovens e
mulheres que com sua ira forjaram a ferro e fogo o fio da navalha da história,
justamente para cortar dos ditames da repressão imposta pelos opressores. As
manifestações, protestos e revoltas são atos seculares, e não uma invenção do
contemporâneo, que foram essenciais para reconfigurar e moldar as estruturas
sociais de um estado decadente. A exemplo, a revolução francesa no final do
século XVIII deixa claro essa necessidade de mudança, que culminou com a tomada
da Bastilha -impondo fim de um regime absoluto de opressão contra a população
da França.
Nas ruas da cidade, os gritos, a
agitação popular com suas faixas, cartazes, megafones, pedras e paus
(verdadeiras armas de protestos) caminha a multidão em passeata nem sempre
pacífica. Alguns mais exaltados e também muitos infiltrados - que não estão ali
pela verdadeira causa - mas apenas gerar tumulto e confusão, no desejo de
praticar atos violentos destruindo bens públicos e privados, que possuídos pelo
ódio acabam por desestabilizar o movimento. Esses infiltrados ou mesmo aqueles
que erguem suas bandeiras são contidos, quase sempre com truculência pelo
aparato de repressão do Estado. Tal aparato de repressão - subserviente ao
poder das elites contrarias aos atos democráticos - alegam sua presença em nome
da paz, da ordem e segurança, com a função de proteger os próprios
manifestantes. Sabemos que isso não passa de um engodo, uma grande mentira.
Pois, os aparatos de repressão servem aos caprichos do poder, sendo aparelhados
para combater qualquer ato que ameace o bem-estar e o poder das elites. Basta
vermos as operações deste aparato nas comunidades e periferias mais carentes,
onde convive-se com uma violência crônica
No entanto, os movimentos populares e
dos trabalhadores encontram nas redes sociais um forte aliado para direcionar
suas causas e reivindicações. Pois, as redes descentralizam as lideranças dos
movimentos, da qual não há mais palanque para líderes políticos, ou mesmo, uma
figura central de comando nas manifestações. Tais movimentos populares
permitiram ações orquestradas de forma que todos são anônimos em sua
organização. Neles, o coletivo se sobrepõe ao indivíduo, um corpo único.
Vemos então que a concepção de corpo
prevalece sobre coletivo, e não mais a individuação. Fator este que explica a
necessidade de compreendermos as manifestações atuais como um mecanismo próprio
das tecnologias de informação atuantes no sentido social e político e mais
ainda dentro do conceito do biopoder foucaultiano. Sendo o biopoder uma ação
das forças de controle social que atua diretamente sobre os corpos.
Quando temos a junção dos movimentos
populares ou de trabalhadores indo a rua, por meio da ação da redes sociais
descentralizadas - como foi no Brasil em 2013, que culminou no enfraquecimento
da esquerdas institucionais e fez com que a direita reacionária viesse ascender
novamente no poder - é sinal que podemos desatar os nós imputados pelas forças
controladoras. Melhor ainda, sem precisarmos da presença de um elemento
organizador e centralizador. Bem, com as redes sociais, tais movimentos ocorrem
de forma difusa, onde cada membro ali presente guarda em si suas crenças,
valores éticos e sentimentos. Portanto adicionar ao coletivo mais força em prol
da causa.
Quanto ao movimento (de resistência)
ocorrido em 2013 no Brasil, não podemos deixar de esclarecer que sua gênese foi
motivada pela insatisfação com a classe política. Na época encontrava-se no
poder um governo de esquerda que rompeu com os ideários populares da sociedade
e não conseguiu entender as vozes da rua. Os protestos de 2013 englobam não só
os trabalhadores precarizados, mas também a classe média e jovens inconformados
com a corrupção e os serviços públicos. Infelizmente, a esquerda institucional
na época perdeu o bonde da história para retratar-se, deixando espaço para uma
extrema direita ineficaz com desejos de exacerbação do neoliberalismo, ou mesmo,
do anarco-capitalismo. Certamente, se a esquerda institucional pegasse a via do
diálogo aberto, escutando os ecos soados pelas manifestações não entraríamos no
atual turbilhão de caos. Portanto, cabe aqui tecermos críticas às esquerdas
institucionais e passem a ouvir os intelectuais da esquerda pensante.
Se no passado as manifestações, os
protestos e as revoltas faziam sentido para as lutas dos trabalhadores contra
as forças do capitalismo industrial, sendo que a busca era por melhores
condições de vida e salário dignos - hoje no capitalismo financeiro a essência
continua a mesma. Ao longo dos séculos a opressão (por parcela do capital)
contra as classes mais pobres continua operante mais do que nunca. A mais-valia
ainda é o mote para que os movimentos populares e de trabalhadores continuem
vivos.
As redes socais viraram palco principal
para aqueles descontentes dotados de uma ira pulsante, sentimento esse, que na
idade média moviam os exércitos para verdadeiras cruzadas e as épicas batalhas
- da mesma forma que os gladiadores da Roma antiga. Elegemos então a ira, como
o sentimento das manifestações e dos protestos, diga-se que sem ele não há
mudanças.
As crises correntes do sistema
capitalista tornaram-se inevitáveis e a classe trabalhadora não pode mais arcar
com as mazelas vindas destas crises, portanto, os movimentos de ruas são
legítimos e próprios do Estado democrático enquanto apresentam uma reposta
lúcida à esquizofrenia pulsante de um capitalismo em decadência e também de
outros sistemas econômicos minam os direitos sociais.
Entretanto, as reivindicações destes
movimentos ainda não encontraram uma resposta efetiva que substitua o atual
sistema pautado no capital, A questão para o problema ainda carece de uma
construção política que seja pensada no terreno do coletivo. Porém, não
acredito numa retomada das antigas estruturas do comunismo, anteriores a Marx,
conforme descreve Dardot e Laval no livro: Comum: ensaio sobre a revolução no
século XXI de 2017 ao citar uma passagem de Santo Ambrósio sobre a relação da
religião e o direito à propriedade. Nem mesmo vejo uma volta às antigas origens
do socialismo utópico e científico proferido nas obras de Hegel, Proudhon e
Marx.
Talvez, que ainda com muita incerteza,
o desejo das multidões revoltosas sejam apenas abalar as frágeis estruturas
desse neoliberalismo capenga e daí por diante não temos como saber o que irá
ocupar o seu lugar.
Enfim, muitos destes infiltrados, ou
mesmo os propósitos de algumas dessas manifestações estão ligadas aos grupos de
interesse, que manipulam cinicamente em prol de vantagens, na maioria
desconhecidas até mesmo por aqueles que participam dos atos, mas que certamente
estes grupos financiadores sabem muito bem as razões.
É um tanto ingênuo acreditar que os
grandes dilemas colocados pelo mundo se resolve por meio de um eu - interior,
ou seja, no mais puro individualismo. Somente o coletivo, a massa popular tem
instrumentos capazes de combater as imposições do sistema, seja ele incorporado
pelo capital ou pelo Estado.
Agora, diante desse vírus pandêmico
(que assola o planeta e nos torna refém, às vezes de nós mesmo) nada foi tão
eficaz quanto ele para se impor contra os movimentos de rua, nem mesmo os
aparatos de repressão conseguiram tal efeito. Saibam que esse vírus atua no
campo político, ou melhor dizendo, dentro da biopolítica que leva os corpos a
se recolherem num regime de isolamento, assim impedindo a luta corpo a corpo.
Para que possamos romper com a
dualidade Estado e mercado é preciso que os recursos econômicos pertencentes
indistintamente a toda sociedade possam ser administrados e acessados de
maneira coletiva. O Estado e o mercado apropriam-se mutuamente dos recursos
econômicos existentes, como a água e solo. No caso, o mercado privatiza esses
recursos e os vendem, gerando assim o lucro. Já o Estado ao apropriar destes
recursos, os utiliza como moeda política em troca de benefícios públicos ou
privados. Enquanto, a grande maioria da população padece por falta desses
recursos, que deveriam ser comuns a todos.
Entendemos por recursos econômicos
aqueles capazes de gerar valor, que podem ser transformados em bens e
posteriormente consumidos. Como os recursos retirados da natureza (por exemplo:
os minérios que servem de matéria prima para indústria de transformação) da
qual servem às necessidades do ser humano.
Entretanto, por uma questão de
comodidade a sociedade prefere deixar a cargo do Estado, ou mesmo, da
iniciativa privada que tais recursos econômicos sejam por eles gerenciados.
Assim se transformando numa relação de consumo, a qual o indivíduo paga para
obter um serviço ou produto que poderia ser coletivamente comum a todos. Aqui
utilizamos o termo recurso econômico, que se equivale à bem econômico, pode ser
tanto um bem público, como um bem privado.
Todavia, esses recursos econômicos em
sua grande maioria são passiveis de escassez e conforme o uso, frequentemente,
sofrem reajustes positivos em seu valor, fato que impede sua ampla utilização
por toda população. Isso explica as teorias econômicas por detrás da escassez.
A prova é que não estamos preparados
para viver o tão sonhado coletivismo. Pois, somos seres dotados de uma certa
individualidade não muito bem explicita, de um certo egoísmo narcísico que nos
impede de gerenciar os recursos econômicos de maneira eficaz e sustentável.
Essa, talvez, seja uma alegação para permitir que o Estado faça o papel do
grande gestor e centralizador dos recursos, da mesma forma que alega a
iniciativa privada ( o mercado) como único transformador de matérias-primas em
mercadorias, tudo isso para atender os desejos egoicos da coletividade. Mas,
sabemos que o interesse do mercado se pauta na individualidade do ser.
A ideia do coletivismo está muito
próxima de uma visão anarcossocialista, sendo fortemente rechaçada pelos
neoliberais do mercado como uma via puramente decadente. No entanto, temos
fortes convicções de que o neoliberalismo em suas constantes crises foi incapaz
de reformular seu sistema econômico para torná-lo perfeito, duradouro e se quer
debelar a miséria humana.
Sim, certamente poderíamos organizar as
decisões da coletividade e possivelmente orientar as necessidades materiais
básicas, sem a presença da força capitalista, ou da pressão estatal sobre
nossos ombros. Basta querermos enxergar as comunidades rurais, por exemplo, que
trabalham dentro de uma lógica produtiva baseada no cooperativismo; as
associações de bairros organizados em prol de melhorias e da urbanização de
suas comunidades.
São essas, ações que partem dos
próprios cidadãos, que acreditam no espírito da cooperação e da participação;
Os comitês de fábrica que gerenciam a sua própria produção e elegem seus
representantes para os conselhos de administração e sindicatos dos
trabalhadores. Essas são atitudes coletivas e independentes de um poder
centralizador, seja do Estado, ou seja da Iniciativa privada.
Portanto, se quisermos de fato que o
coletivismo seja atuante na gestão dos recursos econômicos, para ser comum a
todos, torna-se mister a participação de todos contribuindo com seus fazeres e
saberes. O saber e o fazer são elementos essenciais para o desenvolvimento do
coletivo, da qual o conhecimento precisa ser compartilhado entre todos. Assim
sendo, a gestão do conhecimento uma ferramenta valiosa para o que os saberes e
os fazeres da coletividade possam ser amplamente difundidos. Explicaremos com
mais detalhes no próximo capitulo as nuances da gestão do conhecimento e a sua
importância na transformação da sociedade.
Para Dardot e Laval (2017) o
capitalismo mostra-se incapaz de lidar com suas próprias crises, sendo então um
sistema desastroso que afeta praticamente todo o planeta. Para irmos mais longe
- o capitalismo neoliberal nas palavras desses dois autores é enfático - por
mostrar que sua expansão incide diretamente na vida daqueles mais pobres. Pois,
aquela camada mais miserável da população são as primeiras a serem atingidas
pela nociva mudança climática, onde os recursos naturais tornam-se escassos e
seus preços são inflacionados.
Em seu livro Dardot e Laval (2017)
aponta algumas proposições políticas, no intuito de pensarmos o tenebroso
avanço do neoliberalismo que fragmenta toda tentativa de construirmos um
projeto político direcionado para as ideias da coletividade. Tais princípios,
que os autores nos apresentam pode ser o início de um novo olhar em relação ao
mundo que tanto desejamos, centrado numa democracia mais participativa com viés
para grandes mudanças sociais.
Cada proposição tem como objetivo
colocar aquilo que é próprio do individual dentro do âmbito do coletivo e assim
transformar a representatividade da democracia em algo que todos possam ser
inseridos. Para estes autores, a força do trabalhador está nos movimentos
sindicais e cooperativos. Somente eles são capazes de criar a coletividade e
amplificar a consciência de classe. Da mesma forma, é o pensamento das forças
socialistas. Certamente, isso o capitalismo jamais vai reconhecer, por
engendrar em suas entranhas o individualismo, próprio do consumismo.
A política do coletivo centra-se no
governo de todos, em que a participação está vinculada às relações sociais, e é
independente das forças de poder centralizadoras, sejam elas neoliberais,
conservadoras ou mesmo liberais. Muito menos subjugada aos poderes burocráticos
ou tecnocráticos, que endossam a presença do Estado.
Outro ponto relevante que Dardot e
Laval (2017, p.527) discorre em sua obra é a respeito da economia social, como
alternativa ao sistema capitalista. Sendo assim a economia social um elemento
essencial ao desenvolvimento produtivo, que se ampara na igualdade e
solidariedade. Instrumentos próprios da democracia participativa e do
cooperativismo. Bem, a economia social como política vinda do coletivo atua
diretamente como instituto para mitigar as desigualdades sociais e econômicas,
ao passo que o trabalho produtivo vincula-se ao desenvolvimento humano.
No coletivo, o homem não está preso aos
ditames da máquina-tempo capitalista, sobra-lhe tempo para mobilizar-se e
também refletir sua participação na construção política o social. Enquanto no
modo capitalista, o homem torna-se escravo do tempo e das máquinas, onde deve
obediência laboral aos donos dos meios de produção. No capitalismo financeiro,
este mesmo homem passa ser subserviente ao dinheiro, aos juros e a todo tipo de
maniqueísmo forçado pelo capital improdutivo.
Na economia social a democracia é muito mais cristalina e vista a olho
nu, pelo fato do trabalhador não está mais preso aos entraves burocráticos de
um Estado controlador, ou então, sob domínio de grandes corporações que detém
as rédeas do capital financeiro. O conceito de economia social, renda básica
universal não é nenhuma novidade, sendo amplamente defendida por economistas
marxistas e diversos outros ligados ao espectro do “welfare state”.