segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Produção, trabalho e informação

 

O capitalismo atual, denominado de capitalismo cognitivo, ou capitalismo improdutivo passou do antigo modelo de produção taylorista baseado em mercadorias e consumismo para a produção imaterial, o que alterou completamente as relações de trabalho. Desde então, diz Marcos Dantas (2002, p.117) em seu livro: A lógica do capital-informação:

“O que grande maioria das pessoas vem produzindo em seu trabalho é informação social registrada em patentes de produtos ou processos, comunicada em relatórios, protótipos, desenhos painéis de controle de máquinas; gravados em películas cinematográficas; transmitidas em programas de rádio ou televisão, por telegrama ou telefone”.     

Para entendermos a evolução paradigmática do capitalismo cognitivo, temos que abordar aqui um pequeno percurso histórico do sistema de produção fordista-taylorista e atravessar o final século XX no intuito de descrever o paradigma da bioeconomia. Quem vai permitir a construção dessa ponte é Fumagalli, nas seguintes palavras:

No sistema de produção fordista-taylorista, a convenção econômica dominante fundamentava-se na ética do trabalho assalariado, no desenvolvimento e no bem-estar. a economia tinha suas bases na produção material [...] No paradigma bioeconômica do capitalismo cognitivo, a convenção atual converteu-se para a financeirização da economia e quem manda são a opinião pública, os meios de comunicação e o individualismo (FUMAGALLI, 2010, p.68).     

Os mecanismos tecnológicos e de linguagem, que agregam os signos e símbolos, servem para articular toda essa produção social, e para Dantas o capital tende a investir cada vez mais nessa indústria da informação.

As grandes corporações, uma junção do capital financeiro e os laboratórios industriais sempre mantiveram os altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, sustentando na inovação tecnológica suas posições de liderança e de domínio monopolista dos mercados (DANTAS, 2002, p.139-40) 

Portanto, a linguagem, a tecnologia e conhecimento juntos perfazem o caminho natural da nova economia, baseada no intangível. O valor está no compartilhamento de informações e trocas de conhecimento, a respeito disso comenta o autor nessa citação:    

Porém, “conhecimento tácito” refere-se àquelas noções e competências que, na medida em que não são codificadas, permanecem como patrimônio do indivíduo que as possui por um tempo mais ou menos limitado. Estes tipos de indivíduos representam a elite do mercado de trabalho e são, acima de tudo, essenciais para a geração e criação de novas tecnologias no campo da pesquisa de produtos e das metodologias de produção. É o conhecimento que normalmente está protegido por patentes e que não é intercambiável no mercado da informação. Eles constituem a essência do controle tecnológico e, portanto, não estão sujeitos aos processos de globalização e liberalização. (FUMAGALLI, 2010, p.157)

Precisamos compreender que no capitalismo cognitivo, a gestão da informação, e o grau de conhecimento atribuível, constitui o motor principal do processo de acumulação (FUMAGALLI, 2010, p.176). Digamos que isto é, uma nova tendência, no entanto, sabemos que as tendências são efêmeras e substituíveis. Todavia, seria um erro denominar de tendência uma mudança paradigmática, ao passo que a velha indústria cedeu ao mercado financeiro. Assim temos que:

O processo de produção deixou de ser apenas aquilo que se realiza dentro da fábrica, seja no escritório, seja na oficina, conforme o entende uma tradição que remonta a Smith e Marx. Realiza-se nos lares, nas ruas, nos espaços públicos de entretenimento, nas escolas, em todo lugar onde o indivíduo social é adestrado para incorporar a uma rotina produtiva qualquer, e, ao mesmo tempo, dialeticamente, é construído para desejar usar o produto que socialmente ajudou a fabricar (DANTAS, 2002, P.118).

Essa fala do Professor Dantas é bastante representativa, no momento em que não há somente consumidores e produtores. Agora, dentro dessa perspectiva do capitalismo cognitivo, somos ao mesmo tempo “prosumidores”, produzimos e consumimos instantaneamente não mais mercadorias e sim informação e conteúdo.

Essa condição de “prosumidores” que o capitalismo atual nos impõem, de antemão joga por terra o fator tempo. No trabalho intelectual o tempo irrelevante, e o foco está na informação, que envolvem as atividades de busca e processamento. Na análise logo abaixo, Dantas explica como essas atividades são processadas:

Cada indivíduo inserido na produção capitalista não passa de um elo informacional que recebe, processa e transmite algum subconjunto de informação necessária às atividades de outros indivíduos, ou um conjunto do subsistema social na qual interage. O trabalho de cada indivíduo é um exercício de busca: coletar, compilar e reunir dados diversos; e também um exercício de processamento: relacionar esses dados para obter um novo que será necessário à busca que outros indivíduos realizam ou, no limite, às operações das máquinas (DANTAS, 2002, p.142).    

Na análise realizada por Fumagalli, retrata-se o mercado num sentido físico, característico do modelo fordista-taylorista, com a presença de um Estado protetor das grandes corporações e a moeda ainda encontra lastro e paridade no ouro.

No sistema de produção industrial fordista tem sua base na divisão do trabalho e na hierarquia, Da mesma forma segundo Fumagalli (2010, p.162) ocorre uma separação temporal a entre comunicação e produção. Entretanto, haverá na Europa em meados dos anos 60 um limite pleno da demanda nos mercados, que colocará em crise o de modelo de acumulação fordista.

A crise do modelo fordista-taylorista traz como consequência o desmantelamento do Estado de bem-estar social, que irá proporcionar o crescimento dos mercados financeiros e a principalmente a especulação financeira, não sendo mais atraente o sistema de credito bancário devido a crescente instabilidade e incerteza dos setores produtivos.

Mas enfim, o que caracteriza o modelo fordista em termos de produção de valor material, que foi amplamente descrito pelo pensamento marxista. Nisso, Dantas nos ajuda em uma citação.

Muito depois, essa época veio a ser determinada “regime fordista de acumulação” definido como um grande pacto social envolvendo Estado, empresas e sindicato operário, que visava viabilizar a expansão dos mercados (empregos e salários) e dos lucros, por meio de acordos e contratos vantajosos entre capital e trabalho (Dantas, 2002, p.121).   

O trabalho humano do período taylorista-fordista, conforme Fumagalli (2010, p.186) estrutura-se nas bases temporais e na precisão, mede-se o tempo de trabalho e o tempo de não-trabalho. No entanto, com a digitalização e a informatização, o tempo não parece ser mais um elemento tão rígido para medir o grau de produtividade. 

As tecnologias da informação têm toda sua estrutura pautada em linguagens artificiais, construídas sobre comandos binários (0 e 1), que tem avançado com o desenvolvimento de inteligência artificiais (IA) e uso aprendizagem de máquinas, além da web semântica. Essa relação tecnologia e linguagem, na visão de Fumagalli (2010, p.188) encaminha-se para uma relação corpo e mente, onde os mecanismos de linguagem e a evolução do conhecimento se corporificam. Desenvolve-se a relação homem-máquina, tríade corpo, mente e máquina.

Portanto, não podemos pensar a informação como mera mercadoria vinda do sistema fordista. Mas sim, uma ferramenta, um meio gerado, registrado e disseminado, da qual o capital apropria-se. É válido falarmos que a informação contém em si algum valor. O valor da informação - conforme Dantas (2002, p.143) - é poupar tempo de trabalho. Esse valor para ele não se realiza por meio de troca na circulação (como na mercadoria), mas por meio da interação, da comunicação.

Diante das tecnologias de informação e comunicação a velocidade e flexibilidade são dois aspectos essenciais, segundo Fumagalli (p.191), que veio para modificar profundamente todo aparato produtivo e social, pois, a flexibilidade e aceleração tem como resultado um forte aumento na produtividade do trabalho. A conexão em rede proporcionada pelas TICs também influenciou de sobremaneira o mundo do trabalho, permitindo que as pessoas possam desenvolver suas atividades de forma remota, cooperativa e com elevado grau de comunicação.  A cooperação é o elemento propulsor das atividades em rede.

O trabalho, no interior da economia da informação essencialmente ocorre - segundo Fumagalli -  em um ciclo de produção social, na qual a experiência, a comunicação, a afetividade está intimamente ligada aos fluxos de informação e aos processos de aprendizagem dependente da cooperação social que está na base da própria produção social.

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