sábado, 6 de agosto de 2022

As nuances da gestão do conhecimento

 

Entende-se por gestão do conhecimento todo processo de sistematização de trocas de saberes, que permite a produção de novos conhecimentos. A gestão do conhecimento envolve a assimilação e acumulação de saberes que possam ser devidamente compartilhados entre as pessoas. Assim, observa-se que a gestão do conhecimento não é um processo que reside especificamente no indivíduo, pelo contrário, trata-se de um processo coletivo, na qual as pessoas interagem entre si com o intuito de socializar seus saberes e fazeres.

Apesar de ser um conceito recente nascido do ambiente organizacional, a gestão do conhecimento tem seus antecedentes nas antigas práticas vindas de diversas culturas, tais como: a oralidade proveniente dos povos indígenas sul-americanos, que repassavam seus conhecimentos por meio de estórias contadas e transmitidas de geração a geração; as técnicas utilizadas nas oficinas dos antigos artesões (forjarias, cutelarias, ferreiros e outros); e as vinícolas na produção de vinhos na Europa.  

Estes conhecimentos geralmente eram disseminados entre pequenos grupos dentro de uma tradição muitas vezes familiar, isso demonstra que o conhecimento só gera valor a partir do momento que as trocas de saberes são realizadas. Não podemos negar que o conhecimento é algo pessoal - internalizado, porém sua aquisição depende de ações coletivas, na qual o conhecimento necessita ser repassado, o que denominamos de socialização do conhecimento.

A gestão do conhecimento como uma prática da modernidade, assim como as iniciativas de qualidade total, reengenharia, modelos organizacionais, criação de sistemas e métodos e qualquer outro tipo de modelo pós-fordista   provenientes de um capitalismo intelectual só se faz eficaz caso haja trocas efetivas de saberes, portanto, sem a interação entre os trabalhadores essas trocas tendem a fracassar.

Enfim, vivemos a era da economia da informação, numa sociedade dita sociedade do conhecimento, onde o poder do capital não está mais na produção de mercadorias e no trabalho manual das oficinas - e nem nas máquinas. Pois, as novas tecnologias de rede exigem que sejamos produtores-consumidores capazes de operar intelectualmente sistemas de informação, aplicativos, softwares e plataformas digitais, e dessa forma contribuímos para o seu desenvolvimento sem qualquer remuneração por isso.

Então, sem percebermos colocamos a disposição das grandes corporações de tecnologia todo o nosso saber e conhecimento, que é difundido coletivamente entre as pessoas. Com isso podemos afirmar que a gestão do conhecimento não se trata apenas de instrumentos vindos das tecnologias de informação, é muito mais que isso. Ela tem sua efetivação no grupo de pessoas, em trabalhadores intelectuais dispostos em compartilhar suas experiências competências, e saberes, do contrário, esses instrumentos de gestão do conhecimento são inócuos e dispensáveis.

Logo, o processo de gestão de conhecimento dentro dessa lógica do capital intelectual e financeiro assume um papel central para extrair suas capacidades, competências e habilidades, ou seja, uma mais-valia em cima do trabalho moderno - sendo que o conhecimento dos indivíduos só adquire valor se for combinado a outros conhecimentos. A atual pandemia nos fez perceber tal fato, cujo desenvolvimento das vacinas para o vírus do COVID-19 exigiu a combinação de vários conhecimentos por parte dos cientistas, em que as trocas de saberes anteriores foram preponderantes para sua fabricação. No entanto, foram as grandes empresas farmacêuticas que se aproveitaram destes saberes, para colocar no mercado as vacinas e obter grandes ganhos financeiros.com a valorização de suas ações no mercado.  

O nosso mundo contemporâneo não pertence mais ao velho caudilhismo  ditatorial das repúblicas da América Latina, muito menos do populismo de direita, ou de esquerda que se igualam aos antigos caudilhos, nem de longe tolera mais os ditames dos modelos tayloristas-fordistas de um capitalismo industrial arcaico, na qual os trabalhadores eram apenas engrenagens que impulsionavam as máquinas e certamente esse mundo não comporta mais a velha burocracia estatal, em que os serviços públicos sempre emperravam nos trâmites de documentos e papéis.

Os tempos e movimentos agora são outros, que exigem de nós um novo olhar para as práticas políticas, onde a tecnologia, a inovação e a busca contínua por informação e conhecimento proporciona uma infinidade de possibilidades ao homem. Porém, esses instrumentos tecnológicos - utilizados de forma errônea nas mãos de um governo tirano - passam a ser pernicioso, retirando o ser da coletividade e da luta por um objetivo em comum. Então, novamente caímos nestas antigas formas de governo, assistindo a volta dos velhos discursos reacionários que pregam um neoliberalismo torto, insano - que tolhe direitos aos serviços públicos para o cidadão. Discurso esse, que tudo deve ser privatizado e colocado aos pés do mercado.

No outro extremo, vemos ideologias de uma esquerda que prega não os princípios da democracia participativa com base nos conselhos populares, comitês de trabalhadores e na ampla participação das pessoas, mas vigora a ideia de um governo assistencialista, paternalista, da qual o Estado é o grande provedor que planeja e decide as ações e os rumos da nação. Ambas proposições (neoliberalismo e esquerda institucional) são nefastas ao desenvolvimento, ao trabalho e à produção.

Diz o velho ditado que o trabalho enobrece o homem, o faz crescer e o liberta, entendemos que não é bem assim. Somente aqueles se dão ao luxo do tempo livre são capazes de criar, inventar e talvez conhecer as belezas que o mundo oferece. Digo isso, por que o grande professor e escritor italiano Domenico De Masi mostra que somente no ócio somos capazes de sermos criativos e inventivos. Mas neste livro, vou tecer análises sobre outra obra do Professor De Masi. Em seu livro: Criatividade e grupos criativos: descobertas e invenções o autor faz relevantes considerações no que se refere ao mundo da ciência e da tecnologia, e que aqui julgo mais pertinente ao assunto que iremos delinear. Num primeiro momento o autor traz até nós a questão da globalização, sendo ela um mecanismo de aceleração e desenvolvimento da ciência. Permitindo - assim - os processos de colaboração, mas também de competição entre os cientistas, o que multiplicou descobertas e invenções (DE MAIS, 2005, p.348).

As fantásticas análises do Professor De Masi (2005, p.350) sobre a pesquisa científica e tecnológica em todo planeta decorrem de grandes incentivos financeiros, justamente por serem áreas do conhecimento que trazem em si enormes progressos materiais e se colocam a disposição da humanidade. Entretanto, o autor nos revela que a tecnologia da forma que for utilizada pode ser bastante nociva e gerar efeitos colaterais como desemprego e até mesmo o aparecimento de certas patologias, principalmente nas camadas sociais mais alienadas e marginalizadas.

Para De Masi, tais mudanças tecnológicas nos fornecem informações em tempo real do mundo, porém seu excesso torna-se extremamente danoso à saúde mental, que afeta diretamente a capacidade crítica do ser humano (justamente por criar medos e angústias). O excesso de informações e a disseminação de fake-news cria negativamente nas pessoas a incapacidade de processar e dominar novas informações, ou seja, estamos vivenciando a era da desinformação. Ao mesmo tempo em que as TICs encurtam distâncias, via rede e permite-nos trocar conhecimentos, a sociedade da informação de acordo com De Masi (2005, p.354) vivenciará novos egoísmos, solidões, estranhamentos e ampla corrida pelo desempenho, resultado, competividade e sucesso. A humanidade estará numa infinita dicotomia, bastante caótica.

A sociedade da informação, pós-fordista, tem suas estruturas dentro do capitalismo intelectual amparados pelas tecnologias da informação, na visão de Domenico De Masi essas tecnologias abrem grandes precedentes para uma democracia tecnológica pautada num mundo síncrono, por outro lado, uma elite muito pequena utiliza-se dessas tecnologias para dominar todo o sistema social por meio da mídia, aproveitando-se do desinteresse de grande parte da população pelas coisas da política. Determina De Masi (2005, p.368) que as novas tecnologias de informação aliada à redução dos custos trazem como desvantagem o desemprego e a poluição, porém tem aumento o Produto Nacional Bruto (PNB) de muitas nações influenciando diretamente na poluição. O aumento da riqueza de muitos países não foi benéfico para sua população, o que se vê neles são altos índices de desigualdades e depredação dos recursos naturais. Portanto, como afirma o próprio De Masi (2005, p.369): o Produto Interno Bruto (PIB) seja de qualquer nação não significa melhores índices para medir conhecimento, educação, e ou sabedoria.

Da mesma forma que De Masi aponta sobre a globalização e suas relações com as tecnologias do mundo contemporâneo, um outro autor – Marcos Dantas - escreveu em 2002 uma excelente obra: A lógica do capital-informação. Nela, o autor perfaz o caminho do Neoliberalismo, durante a privatização do sistema de telefonia e telecomunicações no Brasil, no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), que entregou à iniciativa privada toda rede de telefonia do país por um preço irrisório. Essas privatizações não trouxeram em nada qualquer benefício para sociedade brasileira, mas certamente deixaram muitos políticos e empresários bilionários. Tudo à custa do patrimônio público.

Dantas (2002) coloca para nós, em sua obra, que a revolução tecnológica neste início do século XXI trata-se de uma reprodução eminentemente capitalista, sendo parte da atual economia da informação, a qual grandes corporações apropriam-se dos conhecimentos e saberes produzidos pela ciência e tecnologia.   

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