sábado, 20 de dezembro de 2025

Pensamentos filosóficos: a vida social, os costumes e o sistema econômico de Mandeville, Russell e Osho.

 

Na pretensão de finalizarmos os estudos sobre os nossos autores, colocaremos neste último texto algumas considerações relevantes que irão pontuar melhor o nosso entendimento a respeito dos fatos históricos próprios de cada época. Além de permitir que façamos certas elucubrações filosóficas relacionadas aos modos de vida, os costumes e sistemas da qual viveram estes pensadores. Pois, os três autores -  Bernard Mandeville, Bertrand Russell e Osho - apresentam visões radicais e profundamente críticas sobre os modos de vida, costumes, sistemas econômicos e a vida social de suas respectivas épocas. O caminho convergente entre eles reside na defesa da liberação do indivíduo das restrições e hipocrisias impostas pela moralidade convencional e pelas estruturas sociais coercitivas, embora cada um chegue a essa conclusão por vias distintas. Para Mandeville (século XVIII), a vida social pauta-se pelo vício, cujo modo de vida e os costumes estão imbricados na dicotomia realidade versus aparência.  Mandeville sustenta que os costumes e a moralidade pública são uma fachada hipócrita. A vida privada é, inevitavelmente, dominada por paixões egoístas e vícios (luxúria, orgulho, inveja). Trata-se para o autor de uma virtude fictícia, ou seja, a virtude é vista como uma invenção política para controlar o comportamento e tornar o homem "dócil e útil", contrariando sua natureza. Os costumes sociais são, portanto, um conjunto de regras que buscam canalizar o egoísmo de forma socialmente aceitável. Já o sistema econômico é impulsionado pelo famoso paradoxo: "vícios privados, benefícios públicos." A busca individual por luxo e satisfação pessoal (os vícios) gera consumo, emprego, comércio e, em última análise, a prosperidade nacional. Portanto, o papel da sociedade nada mais é que um agregado de indivíduos buscando maximizar o próprio interesse. O bom funcionamento social depende da gestão astuta dos vícios, não da sua erradicação. O egoísmo é o motor natural e eficiente do sistema. Por outro lado, na visão de Russell (século XX), a vida social estende-se pela posse e pelo medo, daí sua crítica à moralidade e aos costumes que na verdade sufocam os impulsos criativos em favor dos impulsos de posse. A sociedade capitalista industrial do seu tempo valoriza a acumulação, a competição e o controle. A vida social e a política internacional são dominadas pelo medo, pela possessividade (desejo de propriedade, território, domínio) e pelo orgulho nacionalista, que são a raiz da guerra. Por isso, nos aspectos econômicos e sociais Russell busca defender vigorosamente a vida criativa (produção de beleza, conhecimento, amor) em detrimento da vida de posse (acumulação, competição). Assim, valoriza o trabalho construtivo e a cooperação, como o sindicalismo, em oposição ao capitalismo belicoso. Logo, a ameaça do Estado se faz presente nas indagações do autor. Dado que o Estado frequentemente está aliado ao nacionalismo e ao militarismo, impõe costumes e leis que reforçam a dominação e minam a liberdade individual e de pensamento, culminando na guerra. Sendo Osho um homem do nosso tempo, que despontou no pós-guerra fria, as suas postulações sobre os costumes sociais, a moralidade e a religião são entendidas como manifestações dotadas de um profundo medo da dúvida e da insegurança existencial. O modo de vida do homem comum é uma fuga constante da liberdade para a segurança da crença e do grupo. O homem social é um ser domesticado, reprimido pela moralidade externa (seja religiosa ou ideológica), o que o torna infeliz e incapaz de alcançar a plenitude. Quanto a vida social, os sistemas econômicos e políticos são construídos sobre ideologias rígidas (crenças) que dividem a humanidade em facções e geram fanatismo. O capitalismo pós-industrial é visto como um sistema que estimula o consumismo e a alienação, reforçando a busca externa (posse) em vez da transformação interna. Para Osho única forma de mudar a sociedade é através da revolução individual, onde o ser humano se liberta da necessidade de crença, abraça a dúvida e a meditação para atingir a consciência plena.

Dentro dessa perspectiva do pensamento econômico, cada um dos três autores tece suas próprias análises e conclusões. Isso abre um certo precedente para que possamos avaliar qual narrativa melhor nos cabe.  Talvez, Mandeville como o arauto do pensamento liberal econômico. Na obra - A Fábula das Abelhas (1714/1729) – Mandeville é frequentemente citado como um precursor seminal do liberalismo econômico clássico, notavelmente o de Adam Smith. Sua defesa paradoxal de que "Vícios Privados" geram "Benefícios Públicos" subverteu a moralidade tradicional e abriu caminho para a aceitação do auto-interesse como motor da prosperidade. A principal contribuição de Mandeville reside na legitimação do egoísmo e do auto-interesse como forças econômicas benéficas, o que viria a ser o alicerce teórico do capitalismo. Diante disso, temos:

·         A legitimação do auto interesse: Mandeville argumenta que a busca individual por luxo, conforto e prazeres pessoais (os "vícios") estimula o consumo. Este consumo, por sua vez, gera demanda por bens e serviços, impulsionando a produção, o comércio e a inovação. O dinheiro circula, e a nação se torna rica e poderosa. Exemplo: A vaidade de querer roupas caras (luxo/vício) sustenta tecelões, alfaiates, mercadores, e assim por diante.

·         A negação da virtude estática: ao demonstrar que uma sociedade de abelhas que se torna subitamente "virtuosa" (sem luxo, sem egoísmo) inevitavelmente empobrece e declina, ele ataca a noção de que a moderação e a abnegação moral são economicamente desejáveis. Ele sugere que a moralidade rígida é, na verdade, um obstáculo ao desenvolvimento econômico.

·         O mercado como força autônoma (implícita): embora Mandeville não tenha articulado a teoria da "mão invisível" como Adam Smith faria posteriormente, sua obra implica que a economia funciona melhor quando os indivíduos são livres para perseguir seus próprios fins (mesmo que moralmente duvidosos), e não quando são rigidamente controlados pela moralidade ou pelo Estado.

Embora Mandeville tenha fornecido a justificação para a liberdade de ação econômica, Russell e Osho, operando em contextos de capitalismo industrial e pós-industrial, criticam as consequências éticas e sociais da filosofia do auto-interesse irrestrito. Bem, a crítica de Bertrand Russell coloca-se nas consequências sociais e bélicas. Assim, ele concorda que o auto-interesse é um motor poderoso, mas ele distingue entre o que é criativo e o que é possessivo. A partir daí se faz as seguintes considerações:

·         O vício da posse: para Russell, o problema do capitalismo mandevilleano não é o auto-interesse em si, mas a sua manifestação como possessividade (o impulso de posse). A busca incessante por acumular propriedade, riqueza e poder — que Mandeville legitimou como "vício benéfico" — é, para Russell, a causa principal da guerra, do imperialismo e da miséria social no século XX.

·      Rejeição a utilidade dos vícios: Russell rejeita a ideia de que o vício (aqui, a possessividade) é útil. O capitalismo, ao basear-se na competição irrestrita e na possessividade, gera um ambiente de medo e insegurança que leva à violência internacional (guerra).

·         A Busca pelo criativo: a crítica de Russell é um apelo para transcender o mero auto-interesse possessivo (o vício mandevilleano) e focar nos impulsos criativos (ciência, arte, amor, conhecimento), que são construtivos e não competitivos, levando a um sistema social mais pacífico.

Por fim, as consequências existenciais e psicológicas colocadas por Osho permite criticar a sociedade capitalista pós-industrial por criar um ser humano profundamente infeliz e alienado. A análise de Osho imbrica em:

·         A armadilha do desejo externo: o vício e o luxo, que Mandeville via como benefícios econômicos, são, para Osho, meras distrações externas que impedem o indivíduo de confrontar sua própria consciência. A sociedade capitalista, ao legitimar a busca incessante por consumo, mantém o indivíduo em um estado de alienação e dependência de objetos externos.

·         O vício da crença: a busca por riqueza material é vista como análoga à busca por crenças rígidas: ambos são tentativas de preencher um vazio interior com algo externo. O foco no "vício" econômico cria um ciclo de insatisfação que Osho busca quebrar através da transformação interior.

·         Rejeição ao materialismo utilitário: Osho rejeita a métrica de Mandeville (prosperidade nacional como objetivo máximo). A prosperidade material que vem do vício não compensa a perda da liberdade interior e do despertar da consciência.

Conclusão

Mandeville desmantelou a moralidade tradicional para justificar o nascimento do sistema capitalista com base no auto-interesse. Russell e Osho, vivendo sob as consequências desse sistema, criticaram os resultados: Russell focou na destruição social e na guerra causada pela possessividade, enquanto Osho focou na destruição existencial e na alienação causada pela incessante busca por satisfação material.

MANDEVILLE, Bernard. A fábula das abelhas: ou vícios privados, benefícios públicos. São Paulo: Editora Unesp, 2017. 412 p.

OSHO. Crença, dúvida e fanatismo: é essencial ter algo em que acreditar? São Paulo: Planeta, 2015. 254 p.

RUSSELL, Bertrand. Por que os homens vão à guerra. São Paulo: Editora Unesp, 2014. 219 p. 

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