Na
pretensão de finalizarmos os estudos sobre os nossos autores, colocaremos neste
último texto algumas considerações relevantes que irão pontuar melhor o nosso
entendimento a respeito dos fatos históricos próprios de cada época. Além de
permitir que façamos certas elucubrações filosóficas relacionadas aos modos de
vida, os costumes e sistemas da qual viveram estes pensadores. Pois, os três
autores - Bernard Mandeville, Bertrand
Russell e Osho -
apresentam visões radicais e profundamente críticas sobre os modos de vida,
costumes, sistemas econômicos e a vida social de suas respectivas épocas. O
caminho convergente entre eles reside na defesa da liberação do indivíduo das restrições e hipocrisias impostas pela
moralidade convencional e pelas estruturas sociais coercitivas, embora cada um
chegue a essa conclusão por vias distintas. Para Mandeville (século XVIII), a
vida social pauta-se pelo vício, cujo modo de vida e os costumes estão
imbricados na dicotomia realidade versus aparência. Mandeville
sustenta que os costumes e a moralidade pública são uma fachada hipócrita. A vida privada é, inevitavelmente, dominada por
paixões egoístas e vícios (luxúria, orgulho, inveja).
Trata-se para o autor de uma virtude fictícia, ou seja, a virtude é vista como
uma invenção política para controlar o comportamento e tornar o homem
"dócil e útil", contrariando sua natureza. Os costumes sociais são,
portanto, um conjunto de regras que buscam canalizar o egoísmo de forma
socialmente aceitável. Já o sistema econômico é impulsionado pelo famoso
paradoxo: "vícios privados, benefícios públicos." A busca individual por luxo e satisfação pessoal
(os vícios) gera consumo, emprego, comércio e, em última análise, a prosperidade nacional. Portanto, o
papel da sociedade nada mais é que
um agregado de indivíduos buscando maximizar o próprio interesse. O bom
funcionamento social depende da gestão
astuta dos vícios, não da sua erradicação. O egoísmo é o motor natural e
eficiente do sistema. Por outro lado, na visão de Russell (século XX), a vida social
estende-se pela posse e pelo medo, daí sua crítica à moralidade e aos costumes
que na verdade sufocam os impulsos
criativos em favor dos impulsos
de posse. A sociedade capitalista industrial do seu tempo valoriza a
acumulação, a competição e o controle. A vida social e a política internacional
são dominadas pelo medo, pela possessividade (desejo de propriedade,
território, domínio) e pelo orgulho
nacionalista, que são a raiz da guerra. Por isso, nos aspectos
econômicos e sociais Russell busca defender vigorosamente a vida criativa (produção de beleza,
conhecimento, amor) em detrimento da vida
de posse (acumulação, competição). Assim, valoriza o trabalho construtivo e a cooperação,
como o sindicalismo, em oposição ao capitalismo belicoso. Logo, a ameaça do Estado
se faz presente nas indagações do autor. Dado que o Estado frequentemente está
aliado ao nacionalismo e ao militarismo, impõe costumes e leis que reforçam a
dominação e minam a liberdade individual e de pensamento, culminando na guerra.
Sendo Osho um homem do nosso tempo, que despontou no pós-guerra fria, as suas postulações
sobre os costumes sociais, a moralidade e a religião são entendidas como
manifestações dotadas de um profundo medo da dúvida e da insegurança existencial.
O modo de vida do homem comum é uma fuga constante da liberdade para a segurança da crença e do grupo. O
homem social é um ser domesticado,
reprimido pela moralidade externa (seja religiosa ou ideológica), o que o torna
infeliz e incapaz de alcançar a plenitude. Quanto a vida social, os sistemas
econômicos e políticos são construídos sobre ideologias rígidas (crenças) que dividem a humanidade em facções e
geram fanatismo. O capitalismo
pós-industrial é visto como um sistema que estimula o consumismo e a alienação,
reforçando a busca externa (posse) em vez da transformação interna. Para Osho única
forma de mudar a sociedade é através da revolução
individual, onde o ser humano se liberta da necessidade de crença,
abraça a dúvida e a meditação para atingir a consciência
plena.
Dentro
dessa perspectiva do pensamento econômico, cada um dos três autores tece suas
próprias análises e conclusões. Isso abre um certo precedente para que possamos
avaliar qual narrativa melhor nos cabe. Talvez,
Mandeville como o arauto do pensamento liberal econômico. Na obra - A Fábula
das Abelhas (1714/1729) – Mandeville é frequentemente citado como um precursor seminal do liberalismo
econômico clássico, notavelmente o de Adam Smith. Sua defesa paradoxal de que
"Vícios Privados" geram "Benefícios Públicos" subverteu a
moralidade tradicional e abriu caminho para a aceitação do auto-interesse como
motor da prosperidade. A principal contribuição de Mandeville reside na
legitimação do egoísmo e do auto-interesse como forças econômicas
benéficas, o que viria a ser o alicerce teórico do capitalismo. Diante disso,
temos:
·
A legitimação do auto interesse: Mandeville argumenta que a busca
individual por luxo, conforto e prazeres pessoais (os "vícios")
estimula o consumo. Este consumo, por sua vez, gera demanda por bens e
serviços, impulsionando a produção, o comércio e a inovação. O dinheiro
circula, e a nação se torna rica e poderosa. Exemplo: A vaidade de querer roupas caras (luxo/vício)
sustenta tecelões, alfaiates, mercadores, e assim por diante.
·
A negação da virtude estática: ao demonstrar que uma sociedade de
abelhas que se torna subitamente "virtuosa" (sem luxo, sem egoísmo)
inevitavelmente empobrece e declina, ele ataca a noção de que a moderação e a
abnegação moral são economicamente desejáveis. Ele sugere que a moralidade
rígida é, na verdade, um obstáculo ao desenvolvimento econômico.
·
O mercado como força autônoma (implícita): embora Mandeville não tenha articulado
a teoria da "mão invisível" como Adam Smith faria posteriormente, sua
obra implica que a economia funciona melhor quando os indivíduos são livres
para perseguir seus próprios fins (mesmo que moralmente duvidosos), e não
quando são rigidamente controlados pela moralidade ou pelo Estado.
Embora
Mandeville tenha fornecido a justificação para a liberdade de ação econômica,
Russell e Osho, operando em contextos de capitalismo industrial e
pós-industrial, criticam as consequências
éticas e sociais da filosofia do auto-interesse irrestrito. Bem, a
crítica de Bertrand Russell coloca-se nas consequências sociais e bélicas.
Assim, ele concorda que o auto-interesse é um motor poderoso, mas ele distingue
entre o que é criativo e o que é
possessivo. A partir daí se faz
as seguintes considerações:
·
O vício da posse: para Russell, o problema do capitalismo mandevilleano não
é o auto-interesse em si, mas a sua manifestação como possessividade (o impulso de posse). A busca incessante por
acumular propriedade, riqueza e poder — que Mandeville legitimou como
"vício benéfico" — é, para Russell, a causa principal da guerra, do imperialismo e da miséria social no
século XX.
· Rejeição a utilidade dos vícios: Russell rejeita a ideia de que o vício
(aqui, a possessividade) é útil. O capitalismo, ao basear-se na competição
irrestrita e na possessividade, gera um ambiente de medo e insegurança que leva
à violência internacional (guerra).
·
A Busca pelo criativo: a crítica de Russell é um apelo para transcender o mero
auto-interesse possessivo (o vício mandevilleano) e focar nos impulsos criativos (ciência, arte,
amor, conhecimento), que são construtivos e não competitivos, levando a um
sistema social mais pacífico.
Por
fim, as consequências existenciais e psicológicas colocadas por Osho permite
criticar a sociedade capitalista pós-industrial por criar um ser humano
profundamente infeliz e alienado. A análise de Osho imbrica em:
·
A armadilha do desejo externo: o vício e o luxo, que Mandeville via
como benefícios econômicos, são, para Osho, meras distrações externas que impedem o indivíduo de confrontar sua
própria consciência. A sociedade capitalista, ao legitimar a busca incessante
por consumo, mantém o indivíduo em um estado de alienação e dependência de objetos externos.
·
O vício da crença: a busca por riqueza material é vista como análoga à busca
por crenças rígidas: ambos são tentativas de preencher um vazio interior com
algo externo. O foco no "vício" econômico cria um ciclo de
insatisfação que Osho busca quebrar através da transformação interior.
·
Rejeição ao materialismo utilitário: Osho rejeita a métrica de Mandeville
(prosperidade nacional como objetivo máximo). A prosperidade material que vem
do vício não compensa a perda da liberdade
interior e do despertar da
consciência.
Conclusão
Mandeville
desmantelou a moralidade tradicional para justificar o nascimento do sistema capitalista com base no
auto-interesse. Russell e Osho, vivendo sob as consequências desse sistema,
criticaram os resultados: Russell focou na destruição social e na guerra causada pela possessividade,
enquanto Osho focou na destruição
existencial e na alienação causada pela incessante busca por satisfação
material.
MANDEVILLE,
Bernard. A fábula das abelhas: ou vícios privados, benefícios públicos. São
Paulo: Editora Unesp, 2017. 412 p.
OSHO.
Crença, dúvida e fanatismo: é essencial ter algo em que acreditar? São Paulo: Planeta,
2015. 254 p.
RUSSELL,
Bertrand. Por que os homens vão à guerra. São Paulo: Editora Unesp, 2014. 219
p.
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