Meus caros leitores, há alguns cuidados importantes que precisamos ter ao falar da evolução humana e sua relação intrínseca com os aspectos históricos e filosóficos que permeiam sociedade através dos séculos. Questões relevantes a respeito do comportamento econômico, social, político e até mesmo religioso são elementos determinantes de cada época; têm os seus próprios modos e especificidades. No entanto, apresentam um certo ciclo que acabam sendo um tanto semelhantes. Talvez, está fala ficou um tanto confusa, assim melhor explico: o passar dos séculos em algum momento se aproximam, sejam nos costumes e na moda, nas inovações, no avanço científico, no pensamento filosófico. Por exemplo, um método científico do século XII pode muito bem ser revisado e novamente adotado num tempo futuro por algum cientista que acredita que naquele momento seja a solução para um problema atual. Da mesma forma ocorre nas correntes filosóficas, nos dogmas de alguma religião, na economia política. O ser humano possui essa força interna de preservar as construções de seus antepassados, de criar vínculos entre passado e presente. Por isso, somos capazes de guardar, arquivar e preservar informações e conhecimentos em diferentes meios (pedras, papiros, pergaminhos, papéis, eletrônicos e outros). É justamente diante dessa pequena introdução que iremos transcorrer em nosso percurso filosófico. Nele vamos desbravar o pensamento de três grandes autores que viveram em épocas distintas, porém guardam certa convergência em seus ideais. Aqui, nós ingressamos nas mais profundas reflexões dos séculos XVIII e do século XX (em seu início e final). Assim o pensamento de Bernard Mandeville (Século XVIII), Bertrand Russell (Século XX) e Osho (Pós-Guerra Fria) oferece um panorama fascinante das mudanças na filosofia ocidental e oriental, abrangendo a moralidade, a razão, a política e a busca pelo sentido da vida. Embora separados por séculos e contextos culturais distintos, esses autores convergem na crítica mordaz às fundações hipócritas e coercitivas da sociedade estabelecida, desafiando a moralidade convencional e a racionalidade pura como motores da vida humana. Mandeville aponta o Cinismo Utilitário (Século XVIII), sendo ele um Filósofo, médico e satírico inglês; uma figura chave do Iluminismo Primitivo. Sua obra central, A Fábula das Abelhas: Ou Vícios Privados, Benefícios Públicos, é uma crítica radical à ética cristã e aos moralistas de sua época. Seu pensamento é profundamente cínico e utilitário, defendendo que a verdadeira prosperidade de uma nação (a grandeza, o comércio, o poder) é inseparável e dependente dos vícios privados dos indivíduos - o egoísmo, o luxo, o orgulho e a vaidade. Mandeville desmantela a noção de que a virtude e a moderação são o caminho para o sucesso coletivo, estabelecendo o auto-interesse como o motor inegável da economia, lançando assim as bases conceituais para o liberalismo econômico que surgiria plenamente com Adam Smith. Já Russell discorre sobre o racionalismo ético e o pacifismo (Início do século XX, 1ª guerra mundial). Como Matemático, lógico e filósofo, ele surge como uma das vozes mais influentes do racionalismo e do empirismo. Seu trabalho filosófico abrange desde a lógica formal até a filosofia política e social. Em obras como Por Que os Homens Vão à Guerra, Russell aplica o rigor da razão para analisar os impulsos irracionais que governam a política e a sociedade, identificando a possessividade (o impulso de posse) e o medo como as causas primárias do conflito global (guerra, nacionalismo, imperialismo). O pensamento de Russell é marcado pela defesa incansável da liberdade de pensamento, do pacifismo e de uma sociedade baseada na ciência e na razão, onde os impulsos destrutivos sejam substituídos pelos impulsos criativos e construtivos. Talvez uma das mais controversa figura de nossos tempos, porém brilhante em suas assertivas - Osho (Pós-Guerra Fria) - nos propõem uma revolução da consciência. Como místico e guru indiano cuja filosofia se desenvolveu na era pós-industrial. Sua abordagem é radicalmente anti-institucional e existencial. Em sua obra: Crença, Dúvida e Fanatismo, ele ataca todas as formas de crença organizada (religiosa, política, social) como mecanismos de dominação que oprimem a consciência individual. Para ele, o maior obstáculo para a realização humana não é o vício econômico ou a guerra, mas sim a necessidade psicológica de ter certeza, que gera o fanatismo e a infelicidade. O seu pensamento trata-se de um apelo à transformação interna, à meditação e à adoção da dúvida pura como o único caminho para a liberdade e a verdade. Apesar das diferenças temporais, esses três pensadores oferecem uma crítica tripartite à ordem social. Mandeville ataca a hipocrisia moral em nome da prosperidade; Russell critica o irracionalismo da posse em nome da paz; e Osho critica a tirania da crença em nome da consciência. Juntos, eles convidam à reflexão sobre o que realmente impulsiona a sociedade, se são as virtudes esperadas, as paixões camufladas ou a necessidade existencial de fugir da dúvida. Ao traçarmos um paralelo entre as obras desses eminentes autores revelam-se caminhos um tanto convergentes, mas também as distinções são bastante notáveis. Entre os aspectos análogos, observa-se uma severa crítica ao racionalismo e aos impulsos humanos. Na visão deles o comportamento humano, seja ele virtuoso, beligerante ou fanático, é impulsionado por forças que não são puramente racionais, mas sim por paixões, impulsos e necessidades psicológicas profundas. Mandeville - nas paixões e nos vícios - finca seus alicerces na tese de que os vícios privados (egoísmo, luxúria, orgulho) geram o benefício público (prosperidade econômica). O impulso do auto-interesse e das paixões é a mola propulsora da economia e da sociedade, e não a virtude moral. Nesta mesma estrada Russell - impulsos e posse - traz o argumento de que a guerra é alimentada mais por impulsos irracionais e instintos, como a possessividade (desejos que giram em torno da posse) e o desejo de domínio, do que pela razão. Com isso, sugere que a política e a vida privada devem promover o que é criativo e diminuir os impulsos de posse. Na visão de Osho a crença e a necessidade psicológica se cruzam fortemente. Dessa forma, Indentifica-se a crença (o consequente fanatismo) como uma manifestação da necessidade psicológica humana de ter algo em que acreditar e fazer parte de um grupo, fugindo da dúvida e da insegurança. Esta necessidade profunda está na raiz das forças religiosas, políticas e sociais que levam ao conflito. Portanto, em todos eles, a razão ou a virtude tradicional é insuficiente ou até mesmo um obstáculo para a realidade do desenvolvimento social ou para a paz e a liberdade individual. Enfim, o que os aproximam está no reconhecimento de que as grandes forças que moldam o destino humano – prosperidade, guerra e fanatismo – não emanam da virtude racional ou do propósito consciente, mas de um substrato passional e psicológico profundo. Mesmo perante as divergências históricas e propósitos (vício, guerra, crença), o principal eixo entre Mandeville, Russell e Osho reside na necessidade de desmascarar as fundações hipócritas e limitantes da vida social e moral estabelecida para liberar o indivíduo. Portanto, a verdadeira saúde da sociedade e a liberdade individual não residem na moralidade e nos costumes impostos, mas sim na aceitação ou superação de uma força motriz subjacente, seja ela o vício, a posse ou a crença.
MANDEVILLE,
Bernard. A fábula das abelhas: ou vícios privados, benefícios públicos. São
Paulo: Editora Unesp, 2017. 412 p.
OSHO. Crença,
dúvida e fanatismo: é essencial ter algo em que acreditar? São Paulo: Planeta,
2015. 254 p.
RUSSELL, Bertrand. Por que os homens vão à guerra. São Paulo: Editora Unesp, 2014. 219 p.
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