Ressentimento, discurso de ódio, guerra de narrativas, fake news são elementos próprios de nossa contemporaneidade. Estamos numa era em que o sofrimento estrutura-se no âmbito da linguagem, em que buscamos interpretar e codificar as nossas vivências de maneira teatralizada e histriônica. Digo que nossos gestos, ações e até o sofrimento são hiperbólicos, dotados de exageros. Nada diferente de uma criança de quatro ou cinco anos que faz birra para conseguir a atenção dos pais. Essa espetacularização do indivíduo torna-se mais latente com as novas tecnologias, pois as redes sociais e as mídias amplificam o show histriônico. E aquele que mais se destacam em suas bizzarices são os eleitos, os escolhidos e assim subirem ao pódio. Todos querem abrir suas entranhas e colocar para fora as vísceras de seu sofrimento. Onde o sofrer do Eu é o sofrimento do Outro. Mas na atualidade não é bem assim, sendo que estamos num momento cujo individualismo é o imperativo, Já o Outro é invisível pela indiferença. Com isso vive-se a angústia e o medo dos nossos tempos, em grande parte inexplicáveis. Deixamos de lado o mínimo convívio para geramos ambientes hostis que se voltam contra nós mesmos. Neste mundo bélico estamos sempre prontos para os confrontos e vence a batalha aquele que mais berram aos quatro ventos suas desventuras. Mergulhamos num fundo poço e não há saída, os mais variados medos nos fragilizam. Medo da morte, da traição se agravam com a modernidade e o neoliberalismo. Não há para onde correr ou se esconder. Temos a falsa impressão de que somos violados em todos os sentidos, seja física, mental ou moralmente. O medo floresce o sentimento do òdio. Se temos medo o ódio brota. Em grande parte não o ódio pelo Outro e sim pela situação, pelo sofrimento. No entanto, esse ódio pode nascer dos excessos ou mesmo advir da falta, deum mal estar, um sofrimento guardado a sete chaves que rompe com o real e passa a criar turbilhão calcado no imaginário. No mesmo caminho atravessa o ressentimento, parente próximo do ódio. O ressentido trata-se de um indivíduo que na maior parte de sua vida encontra-se isolado, porém com as tecnologias não está separado dos seus iguais. O mundo das mercadorias - característico do capitalismo financeiro - pautado no binômio produção e consumo será o mote gerador da recusa do Outro. Talvez podemos afrmar que o modelo capitalista seja essa máquina propulsora do ressentimento e do ódio, principalmente nessa versão neoliberal. E junto as tecnologias e os seus excessos originam isolamento. Daí o motivo das redes sociais substituir o real. As consequências de tal isolamento estremecem as relações intímas, que deixam de existir. Há então um maior apreço pelos ideários conservadores nos costumes. Perde-se os entrelaçamentos com os outros e tudo torna-se mais superficial. Então, os laços de amizade e familiares deixam de ser um refugio. Todo esse sentimento de ódio e ressentimento não nasceu do nada, do vazio. Possivelmente, fruto do processo civilizatório e do avanço marginal do capitalismo que junto aos Estados e muito de suas políticas segregatórias promoveram enormes diferenças sociais e econômicas. A política de maneira geral tem como função a unidade do discurso, do coletivo. A partir do momento que ela torna-se uma força discriminatória e exlusiva de poucos perde-se a razão de sua existência. Um jardim proprício para o florescimento dos sentimentos de ódio. Cabe nos dizer que as raízes da indiferença também perpetua-se na forma como as políticas geralmente são administradas. Resolver os conflitos entre as questões políticas e os egos feridos por ela estão cada vez mais distantes. Talvez a psicanálise possa oferecer um alguma instrumentalização para compreender esses conflitos. A psicanálise, tradicionalmente associada à compreensão da subjetividade individual, oferece uma lente poderosa para analisar os complexos desafios da sociedade contemporânea. Ao investigar os processos inconscientes que moldam nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos, a psicanálise nos ajuda a desvendar as raízes psicológicas de problemas sociais profundos, como desigualdades de gênero, racismo e homofobia. As desigualdades de gênero, racismo e homofobia não são fenômenos isolados, mas se entrelaçam de forma complexa, criando sistemas de opressão interconectados e sujeitos aos desafetos. A psicanálise nos ajuda a compreender como esses sistemas operam no nível individual e coletivo, afetando a autoestima, as relações sociais e a saúde mental. Ao investigar os processos inconscientes que moldam nossos pensamentos, sentimentos e comportamentos, a psicanálise nos permite compreender as raízes psicológicas das desigualdades e discriminações, além de oferecer insights sobre como promover a mudança social. No entanto, é fundamental utilizar a psicanálise como uma ferramenta complementar a outras abordagens, reconhecendo as complexidades dos fenômenos sociais e os desafios da mudança social.
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