O Caminho do Hiper-real e do Espetáculo nas Mídias e Redes Sociais na Política
O simulacro adentra fortemente a linguagem, nela amplifica os
símbolos e os signos, no entanto enfraquece a semântica. As palavras perdem o
sentido e tornam-se apenas pequenos pontos descaracterizados. Sobraram somente
grunhidos, sons e gemidos balbuciados pelos homens tecnológicos, tudo se
transformou em imagens destacadas numa tela azul, a qual nos perdemos por horas
e horas. Assim assistimos o espetáculo, um show de horrores, em que cada clique
ou toque somos levados ao abismo, um buraco sem volta. Simples, perdemos a
nossa alma. Pasmem, ou não, mas o palco tecnológico já arrebatou o mundo da
política. É nesse mundo que o hiper-real se encontrou, sentiu-se como seu,
colocou a sua cara estampada num estandarte. Nele o discurso se
inflacionou, ganhou contornos exagerados, utilizando-se de poucas palavras de ordens
vociferadas ferozmente por mentes dissonantes, ludibriadas e embriagadas. Quem
sabe ensandecidas pelos instrumentos tecnológicos de propaganda
Com isso, abriremos nesta terceira parte o espetáculo do hiper-real e a sua presença no terreno político. A política, mais que qualquer outra instância, soube usufruir muito bem do simulacro. Enfim, talvez, poderiamos afirmar que ela é o próprio hiper-real. Numa retórica discursiva, a política apropriou-se da linguagem semiótica, que verbalizada pelos signos ganhou traços hiperbólicos. Tanto que, o advento e a onipresença das mídias digitais e, em particular, das redes sociais, representam um novo capítulo na trajetória do hiper-real e do espetáculo, intensificando sua influência no campo político. Essas plataformas não são meros canais de comunicação; elas são ambientes que, por sua própria arquitetura, aceleram e amplificam os processos de simulação e espetacularização.
As redes sociais, com seus algoritmos de
personalização e bolhas de filtro, criam ecossistemas hiper-reais onde a
informação é curada e apresentada de forma a reforçar crenças preexistentes. O
"real" que o usuário percebe é um simulacro construído a partir de
suas interações e preferências, gerando uma realidade paralela que pode ser
radicalmente diferente da de outros usuários. Nesse contexto, a desinformação
e as notícias falsas prosperam, pois forjam uma 'realidade' percebida,
dispensando o lastro factual para se tornarem convincentes e virais. Elas se
tornam simulacros de notícias, mais convincentes e virais do que a verdade,
precisamente porque se encaixam nas expectativas e preconceitos das bolhas
informacionais.
A política, nas redes sociais, transforma-se em um espetáculo
interativo e fragmentado. Cada post, cada tweet, cada vídeo curto é uma
performance, um microespetáculo projetado para gerar engajamento imediato. A
figura do político se torna um avatar digital, constantemente "ao
vivo", "respondendo" e "interagindo", mas muitas vezes
por meio de equipes de comunicação que gerenciam essa performance. A busca por
viralização e a lógica do "clique" e do "compartilhamento"
ditam a forma e o conteúdo do discurso político, priorizando o sensacionalismo,
a polarização e a simplificação extrema de questões complexas. Os debates são
reduzidos a trocas de slogans e ataques, e a participação cidadã é
frequentemente limitada à retransmissão de conteúdo ou à expressão de reações
emocionais.
Os excessos na construção imagética nas mídias e redes sociais atingem um patamar sem precedentes. A facilidade de manipulação de imagens e vídeos, a proliferação de filtros e a capacidade de criar narrativas visuais instantâneas contribuem para a produção incessante de simulacros. A linha entre o que é autêntico e o que é fabricado torna-se quase indistinguível, e a própria ideia de uma "realidade objetiva" é erodida. A política, nesse cenário, opera em um nível de meta-espetáculo, onde a representação da representação se torna a norma. O que importa não é a verdade, mas a eficácia da imagem em mobilizar, persuadir e polarizar, mesmo que essa imagem seja um simulacro sem qualquer correspondência com o real.
Para compreender plenamente a influência do hiper-real e do espetáculo na política contemporânea, é fundamental traçar seu percurso histórico, que evoluiu de formas mais analógicas para a complexidade digital atual. Dessa forma, traçamos em linhas gerais alguns aspectos relevantes que possam evidenciar tais relações entre o hiper-real e o mundo da política. Logo, iniciamos pela sociedade do espetáculo de Guy Debord, formulada em meados do século XX, emerge em um contexto de ascensão da televisão, do cinema e da publicidade em massa. O espetáculo, nesse período, era predominantemente unidirecional e centralizado. As imagens eram produzidas por grandes corporações midiáticas e transmitidas a um público passivo. A alienação se dava pela contemplação de uma vida mediada por representações, onde o consumo de imagens substituía a experiência direta. A política já se inseria nesse espetáculo, com a figura do líder carismático sendo construída e projetada pelas mídias tradicionais, e os eventos políticos transformados em shows televisivos.
Com o avanço das tecnologias de informação e
comunicação, especialmente a partir do final do século XX e início do XXI, o
caminho do hiper-real de Baudrillard ganha novas dimensões. A proliferação de
computadores, a internet e, posteriormente, os smartphones e as redes sociais,
transformaram radicalmente a paisagem imagética. A capacidade de produzir,
manipular e disseminar imagens tornou-se democratizada, embora não equitativa.
A cópia e o simulacro, antes restritos a esferas mais controladas, explodiram
em volume e velocidade.
No cenário digital, o hiper-real se
aprofunda. A realidade virtual, a realidade aumentada e as simulações digitais
criam experiências que rivalizam ou superam a "realidade" em termos
de imersão e detalhe. A fronteira entre o real e o artificial torna-se ainda
mais tênue. A política, nesse ambiente, não apenas se torna um espetáculo, mas
um espetáculo em tempo real e participativo (ainda que de forma
superficial). As redes sociais permitem que qualquer indivíduo se torne um
produtor e disseminador de imagens e discursos, gerando uma cacofonia de
simulacros.
A inflação de signos se acelera
exponencialmente. Memes, GIFs, vídeos curtos e transmissões ao vivo se tornam
as moedas de troca do discurso político digital. A complexidade é sacrificada
em nome da viralização e do impacto imediato. A autenticidade é uma performance
cuidadosamente orquestrada, e a verdade é frequentemente um subproduto da
narrativa mais convincente, independentemente de sua veracidade. O fenômeno das
"fake news" é o ápice dessa trajetória, onde simulacros de informação
se tornam mais "reais" na percepção do público do que a própria
realidade factual, impulsionados pela lógica algorítmica das plataformas.
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