Mais uma vez voltamos as questões do simulacro e da hiper-realidade baudrillardiana. Nesse mundo hiperconectado e enredado pelas malhas tecnológicas e agora sem fronteiras, torna-se mister a necessidade de compreendermos cada vez mais os excessos dos espaços midiáticos e seu uso pela arena política, pelos meios de comunicação e como tudo isso influência a sociedade em geral. Pois, a força do capital talvez seria o grande mantenedor desse mundo dotado de símbolos - puramente semiótico - da qual inundam as nossas percepções e sentidos. Vivemos a era da inflação das telas e nelas nos mergulhamos a ponto de não mais voltar a normalidade da vida real. Dado que o capital encontrou nesse modelo um ambiente ideal para continuar seu crescimento e dele tirar a acumulação infinita. Os exageros da arte, da política, da mídia e da própria cotidianidade são mais comuns do que pensamos. O espetáculo não está mais apenas nos palcos, foram para as ruas e adentraram as casas. Com isso, podemos fazer as nossas elucubrações filosóficas daquilo que está além do real, ou seja, o hiper-real. Nesse interím, colocamos aqui os aspectos epistemológicos da hiper-realidade apresentadas na obra de Jean Baudrillard, em especial o conceito de hiper-real, que não apenas questiona, mas subverte as premissas fundamentais da epistemologia tradicional. Ao propor que a própria realidade se desvaneceu, substituída por simulacros, Baudrillard transforma radicalmente a questão do conhecimento, desafiando a natureza, a origem e os limites do que podemos saber. Vem à baila nestes estudos aspectos relevantes sobre a perda do referente e também o fim da representação, onde a epistemologia tradicional assenta na premissa de que existe uma realidade externa e objetiva que pode ser conhecida e representada. O conhecimento seria, então, uma correspondência entre as nossas ideias (ou signos) e essa realidade. Baudrillard, contudo, argumenta que na era da simulação, o referente (aquilo a que o signo se refere) desapareceu. Assim, descreve Baudrillard a respeito da progressão dos simulacros:
- Primeira Ordem (Cópia Fiel): O signo é uma boa cópia do real (ex: um mapa preciso). A representação ainda é possível.
- Segunda Ordem (Cópia Degenerada): O signo distorce o real, mas ainda há uma referência (ex: uma cópia falsificada, um simulacro produtivo).
- Terceira Ordem (Simulacro Puro / Hiper-real): O signo não tem mais referente. Ele precede o real, cria o real, tornando-se mais real que o real. O mapa precede o território, e o território é construído à imagem do mapa.
Neste último estágio, a distinção entre o original e a cópia, entre o real e a imagem, dissolve se. Se não há um referente estável e independente, como podemos "conhecer" algo? O conhecimento, no sentido de apreensão de uma verdade externa, torna-se problemático. Para Baudrillard, a proliferação incessante de signos e imagens no hiper-real não leva a um aumento do conhecimento, mas a uma implosão do sentido. Quando tudo pode ser simulado e re-simulado, quando a informação é abundante e instantânea, a distinção entre o verdadeiro e o falso, o importante e o trivial, desfaz-se. O excesso de informação paradoxalmente resulta numa perda de significado, culminando numa indiferença generalizada que impede o discernimento e a avaliação crítica, tornando o conhecimento profundo e contextualizado cada vez mais difícil de alcançar. Epistemologicamente, isso significa que a busca por um sentido último ou por uma verdade fundamental torna-se fútil. A realidade é absorvida pela sua própria imagem, e o que resta é uma superfície sem profundidade, onde a "verdade" é meramente a coerência interna do sistema de simulação. Pois, a epistemologia moderna valoriza a objetividade, a capacidade de o sujeito conhecer o objeto sem distorções. No hiper-real, essa objetividade é radicalmente questionada. A própria "realidade" é uma construção midiática, uma simulação. Como pode o sujeito ser objetivo em relação a algo que já é, em si, uma fabricação? A verdade, nesse contexto, não é mais uma correspondência com o real, mas uma função do sistema de simulação. Algo é "verdadeiro" se for eficaz dentro da lógica do hiper-real, se for convincente como simulacro. A verdade torna-se performática e autorreferencial, não mais referencial a um exterior. Fator que tem sérias consequências na busca do conhecimento, se o real desaparece no hiper-real, como podemos adquirir conhecimento? Então, tenta-se prover retoricamente algumas respostas, que no fundo são um tanto evasivas. Mas de certa forma traz algum alivio intelectual. Assim elencamos tais soluções, como:
· Experiência Direta Questionada: A experiência
direta é muitas vezes mediada e pré- formatada pelos simulacros. O que vivemos é
já uma versão simulada da realidade.
· A "Realidade" como Espetáculo: O conhecimento é
substituído pela imersão num espetáculo contínuo, onde a participação é passiva
e o discernimento crítico é atrofiado.
· A Impossibilidade da Crítica Externa: Se não há um
"fora" do sistema de simulação, uma posição externa a partir da qual
se possa criticar, a própria crítica torna-se um simulacro, parte do jogo.
Portanto, pode-se afirmar que Baudrillard não oferece uma
nova metodologia para o conhecimento, mas antes diagnostica a sua crise. Ele
sugere que a tarefa do pensador não é mais desvendar a verdade oculta, mas
antes observar e analisar a lógica da simulação em si, a hiper-realidade que
nos envolve. Os aspectos epistemológicos do hiper-real de Baudrillard são,
em última instância, uma reflexão sobre a crise do real na pós-modernidade. Ao argumentar que os
simulacros substituíram o real e que o referente desapareceu, Baudrillard não
apenas questiona a possibilidade de um conhecimento objetivo e verdadeiro, mas
também a própria fundação sobre a qual a epistemologia tradicional se
construiu. A sua obra convida-nos, assim, a uma profunda reavaliação do que
significa 'saber' num mundo onde a distinção entre a imagem e a realidade se
desfez, e onde a própria verdade se manifesta, paradoxalmente, como o simulacro
mais eficaz.
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