Será que o mundo em que vivemos é o mundo real das coisas e dos seres concretos. A xícara de café que está a minha frente de fato existe, e essa sala a qual estou - as suas paredes podem ser tocadas sem desaparecer diante de meus olhos. Ou tudo não passa de mera ilusão. Quem garante que meu corpo não vai se desmaterializar e depois se teletransportar para outro espaço ou dimensão. Pois, tudo pode ser um sonho ou não. Aquelas máquinas lá fora - que pertubam meu sono - um dia podem se revoltar contra mim e talvez até mesmo me escravizar e assim retirar de minha alma toda a energia vital para reproduzir-se continuamente. serei apenas um escravo delas. São essas máquinas fruto de minha criação, seus algoritmos foram desenvolvidos para atender apenas aos meus comandos, o código fonte por mim foi escrito. Agora, como assim aprenderam a pensar livremente; libertaram-se de sua condição maquinal e passaram a querer dominar tudo aquilo que é humano. Os algoritmos já não mais obedecem as vontades de se seus criadores, trilham seus próprios caminhos; transformaram-se em inteligências artificiais que imperam o planeta com sua linguagem semiótica e máquinica. Não há nelas qualquer semântica, por isso são incapazes de sentir a dor, a angústia, o prazer e os desejos humanos. O domínio das máquinas ultrapassa o real e dessa forma se apresenta no espaço do hiper-real de Baudrillard. O além do real composto por simulações e simulacros, portanto a Inteligência Artificial (IA) não tem nada de mágico ou sobrenatural sendo apenas uma escolha entre a pílula azul ou a pílula vermelha. E tal escolha é eminentemente humana. Então, como diz Morpheus: "Bem vindos a Matrix" - um excelente filme das irmãs Wachowski, de 1999. A Matrix, esse mundo simulado da qual vivemos alheio a realidade e dentro dela somos manipulados por seus algoritmos e códigos fontes num ambiente orientado a objetos que nos retira qualquer possibilidade de subjtividade, onde o "eu" passa a ser constatemente atacado até tornar-se um completo nada. Um vazio existencial. A Inteligência Artificial, agora soberana, vence todas as batalhas numa eterna revolução das máquinas. Matrix irá ser o nosso ponto de partida, mas também poderá ser o ponto de chegada para introduzirmos o microcosmos das IAs relacionadas com hiper-real baudrillardiano. Para começar, Jean Baudrillard em sua obra "Simulacro e simulação" aponta uma linha bastante tênue entre realidade e simulação. As teorias do filósofo permitirá caminharmos sob uma superfície bastante sinuosa dos entrelaçamentos da IA com os algoritmos e o mundo do hiper-realismo. Enfim, os algoritmos - conceitualizados de maneira bastante crua - apresentam-se como sequências de instruções que guiam o funcionamento
dos sistemas de IA, são os engenheiros da nossa nova realidade. Eles moldam as
informações que consumimos, as decisões que tomamos e as experiências que
vivemos. Através de técnicas como aprendizado de máquina e deep learning, os
algoritmos são capazes de identificar padrões em grandes conjuntos de dados e
fazer previsões complexas. No contexto da hiper-realidade, os algoritmos atuam
como mediadores entre o indivíduo e o mundo, filtrando e organizando a
informação de acordo com critérios muitas vezes opacos. As redes sociais, por
exemplo, utilizam algoritmos para personalizar o conteúdo apresentado aos
usuários, criando bolhas de filtro que reforçam crenças pré-existentes e
dificultam o contato com perspectivas divergentes. São esses aspectos dos algortimos que possibilitam os surgimento das Inteligências Artificiais e ao mesmo tempo abrem espaço na produção de simulacros. Sendo que a IA, por sua vez, é capaz de gerar conteúdos cada
vez mais realistas, desafiando nossa capacidade de distinguir o real do
artificial. As deepfakes, por exemplo, são vídeos manipulados digitalmente que
podem ser usados para criar narrativas falsas e difamar pessoas. Por isso também, ela é
utilizada para gerar textos, músicas e imagens, criando um mundo no qual a
originalidade se torna cada vez mais difícil de identificar. Nesse sentido, a IA atua como uma máquina de
produzir simulacros, no sentido baudrillardiano do termo. Os simulacros são
cópias que não possuem original, representações que se apresentam como reais,
mas que na verdade são construções artificiais. A proliferação de deepfakes e a
geração de conteúdos sintéticos pela IA representam uma ameaça à nossa
capacidade de distinguir o verdadeiro do falso. A combinação de algoritmos e IA nos conduz a um
estado de hiper-realidade, no qual a simulação se torna mais real do que a
própria realidade. As experiências virtuais, cada vez mais imersivas, tendem a
se confundir com as experiências do mundo físico. A linha entre o online e o
offline se torna cada vez mais tênue, e a noção de identidade se fragmenta. Baudrillard argumentou que na era da
hiper-realidade, a realidade se torna uma simulação de si mesma. Os signos não
mais remetem a uma realidade exterior, mas se referem a outros signos, criando
um sistema de referências autoreferencial. A IA e os algoritmos amplificam esse
processo, criando um mundo no qual a verdade é relativa e a objetividade é
questionável. A relação entre IA, algoritmos e o mundo hiper-real
é complexa e multifacetada. Por um lado, a IA e os algoritmos oferecem inúmeras
possibilidades para o desenvolvimento humano, como a resolução de problemas
complexos e a criação de novas formas de arte. Por outro lado, a proliferação
de simulacros e a manipulação da informação representam uma ameaça à nossa
capacidade de compreender o mundo e de construir uma sociedade justa e
democrática. É fundamental que reflitamos sobre as implicações
da IA e dos algoritmos em nossas vidas e que desenvolvamos mecanismos para
garantir o uso ético e responsável dessas tecnologias. A construção de uma sociedade
mais justa e equitativa exige que compreendamos os desafios e as oportunidades
que a era da hiper-realidade nos apresenta.
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Lisboa: Relógio d'água, 1991, 208 p.
WACHOWSKI, Lana; WACHOWSKI, Lilly. Matrix, EUA: Warner Bros; Silver Pictures, 1999. Filme. 2h. 16min. Color.
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