O planeta está em alerta, um vírus
tomou conta de tudo e parou o mundo inteiro. A pandemia traz um risco eminente
à economia, o endividamento das nações já é bem maior que a produção.
Percebe-se que as taxas de juros, que estão nos menores patamares podem de
forma sorrateira esconder uma insolvência de muitos países e empresas. Os
gastos públicos atualmente, em muitas nações, superaram a crise de 2008, isso
implica numa recessão global maior que as guerras mundiais e a crise de 1929.
Podemos dizer que a pandemia provocou uma reação em cadeia econômica,
principalmente nos mercados emergentes, que englobam às economias em
desenvolvimento, consequentemente, esse fato reflete num endividamento que
cresce num ritmo assustador.
Além disso, a queda no (PIB) Produto
Interno Bruto - quantidade de riqueza gerada - de muitos países é uma consequência
direta da crise sanitária. Mas em termos de distribuição de renda a situação é
bem mais grave. Assistimos nesse período uma forte ampliação das desigualdades
sociais, cujos mais pobres caminharam à situação de miséria, enquanto pouquíssimos
abocanharam quase dois trilhões de dólares. O fosso das desigualdades sociais e
da distribuição de renda demonstram a incapacidade do capitalismo lhe dar com
as crises. Nem mesmo o Estado é capaz de articular políticas efetivas de
proteção contra o vírus, dado que o estado de bem-estar social fora substituído
pelos projetos neoliberais.
O vírus causador da doença denominada
de COVID-19, bem que poderia ser chamado de o agente de Wuhan, enfim ele veio
da cidade para se espalhar pelo planeta causando o caos total. Trata-se de uma
cepa da família dos Coronavirus, assim como o SARS e MERS. Esse vírus jamais
deve ser visto somente pela ótica da medicina - ou mesmo como uma doença em si.
Vamos além, trata-se de uma agente político que deve ser colocado no âmbito da biopolítica,
e, portanto, requer medidas sanitárias urgentes, isso inclui toda uma
reconfiguração e reurbanização das cidades, principalmente os bairros pobres da
periferia e comunidade. A relação entre pandemia e urbanização das cidades
perpassa diretamente pelo conceito de biopolítica, que por sua vez está ligada
à ideia de biopoder.
Quando falamos em biopoder no sentido
foucaultiano, sendo Foucault o criador do termo, referimos ao controle social,
ou seja, o poder que se exerce sobre os indivíduos, ou melhor, sobre os corpos.
Ainda digo, o biopoder adaptou-se muito bem ao capitalismo financeiro. Então,
quando as forças políticas e governos impõem atitudes a respeito de vacinas,
medicamentos, ele exerce o biopoder, ou seja, o poder sobre os corpos. Na
sociedade, em geral, o biopoder é um mecanismo para que os corpos estejam amarrados
ao sistema político neoliberal. Temos a biopolítica como uma parcela central da
financeirização.
Nessa transição do capitalismo
produtivo para o capitalismo financeiro, o Brasil continua sendo uma economia
periférica, saindo da posição de nona economia mundial para amargar a décima
segunda posição, uma queda de 28,3% do PIB em dólares. Estamos fadados a ser
uma mera exportadora de commodities (gêneros agrícolas e minério de ferro) que
não produz tecnologia e ciência de ponta, dependendo tecnologicamente das
nações mais desenvolvidas. Fator visto principalmente com a pandemia, que nos
obriga a importar insumos essenciais, além de da própria vacina.
A biopolítica casa-se muito bem com
os princípios neoliberais, o que ser quer é a liberdade total, nada de amarras
por meio de regras, normas e leis que impeçam o avanço do capital
financeiro. No entanto, o neoliberalismo
coloca em cheque toda a estrutura social construída pelo Estado de bem-estar
social. Podemos dizer com isso, que o neoliberalismo acaba retirando direitos
dos trabalhadores e sem colocar nada lugar ou algo a oferecer. Caminha-se para
o desmantelamento dos serviços públicos.
Exacerbação do estado neoliberal
junto ao avanço das tecnologias de redes passam a utilizar se do trabalho que
não cria valor, dentro da concepção marxista, enquanto contribuímos para o
melhoramento de aplicativos e softwares. Ou seja, a melhoria de tecnologias
(softwares e aplicativos) por parte dos usuários considera-se um trabalho
produtivo não remunerado.
O ideal seria que capitalismo ao
menos pairasse no interior de uma maquinaria funcional. Mas por desígnios
políticos, econômicos e sociais amplamente contraditórios acaba num revés
disfuncional imenso, onde a situação passa a ser insustentável. A atual
pandemia exemplifica muito bem, na qual milhares de pessoas são dizimadas
diariamente e a falta de articulação das forças políticas tornam-se inertes
perante tal condição – isso demonstra a disfuncionalidade total.
O vírus (enquanto uma entidade
proteica e biopolítica) assola a vida dos seres humanos, devido a
funcionalidade criminosa, negativa e ideológica do Estado – com anuência do
capital – precisam impulsionar roda do dinheiro. As grandes empresas necessitam
extrair mais-valia e alimentar o capital, através do mercado financeiro. Não há
mais sociedade de consumo nesse mundo financeirizado, pois é a oferta que faz a
demanda. Tudo agora tornou-se “just in
time”, ou seja, por encomenda e sob medida. É o mercado do dinheiro mágico,
da qual o crédito passou a ser a grande vedete do sistema financeiro.
Estamos além de uma pandemia, pois
suas causas não são medicas e nem o vírus natural. Trata-se de uma sindemia, ou
seja, um conjunto de eventos que faz com que o vírus decorra de uma relação
intima entre a selva e a cidade. Portanto, elementos característicos das
cidades acolhem o vírus e o faz disseminar. Dentre os elementos incluem os
problemas sociais (alimentação e moradia precária, falta de saneamento básico,
desestrutura das cidades – favelização, acumulo de lixo no entorno das
comunidades carentes); descaso do poder público (falta de programas e políticas
sanitárias, obras de urbanização de bairros mais pobres e periféricos,
vacinação em massa e no prazo estabelecido); as co-morbidades (doenças como:
diabetes, pressão alta, obesidade e até mesmo falta de certos complexos
vitamínicos).
Diversos estudos
realizados por cientistas têm demonstrando o que estamos enfrentando, não se
trata de uma pandemia, mas sim de uma sindemia. Assim corrobora Dr. Freddy
Cante em seu artigo, de que a sindemia refere-se a uma sinergia entre duas ou
mais enfermidades, onde a população mais carente e com doenças como diabetes,
obesidade, pressão alta tem maiores chances de contágio e morte pelo vírus. O
risco da COVID-19 atua diretamente no campo da biopolítica, quase sempre os
mais vulneráveis são aqueles que se encontram nas camadas mais periféricas da
sociedade, diga-se trabalhadores pobres e miseráveis. Por isso, a doença em si
não é um caso médico, mas político, social e econômico.
Já o Professor Fernando
Lolas Stepke da Universidade do Chile, num recente artigo, ao falar de sindemia
- sugere uma interação entre agentes causais, processos sociais e estados
patológicos, que deságua num complexo conjunto de fatores externos ao
indivíduo. Da mesma forma que o Professor Dr. Cante, Stepke entende a sindemia
como uma sinergia do vírus com o ambiente e as pessoas.
Uma sindemia conforme
Codeço e Coelho (2008, p.1772) pode
ser definida como uma interação entre doenças ou agravos à saúde em populações,
que magnificam os efeitos deletérios umas das outras e interagem
por diversos motivos. Mais uma vez vimos que o conceito de sindemia atrela-se à
ideia de sinergia - ou seja - cooperação, esforço conjunto e simultâneo;
entretanto, num sentido negativo.
A sindemia atua dentro de uma rede biopolítica, onde o
negacionismo tanto dos entes políticos, quanto da sociedade tem contribuído
para um imenso desastre social, culminando na morte de centenas de milhares de
pessoas. O negacionismo, ou melhor, as ações negacionistas ganham (num aspecto
da linguagem) uma certa conotação de causa e efeito, cujo pensamento está envolvido
num plano ideológico posto por uma linguagem meramente interpretativa.
Uma
compreensão da bioeconomia de Fumagalli
O conceito de
bioeconomia vai de encontro ao conceito foucaultiano de biopoder, e engloba
também a biopolítica. A compreensão destes conceitos é de extrema relevância
para entendermos o paradigma do capitalismo cognitivo.
Podemos definir
biopolítica na ação política que atuam sobre os corpos, que no modelo
foucaultiano se dá por meio das instituições, numa relação de poder que impacta
direta ou indiretamente na vida e na saúde dos indivíduos. Já, a bioeconomia
centra-se no controle social para que a acumulação capitalista possa invadir
nossas vidas. Assim a bioeconomia traz em seu bojo conceitual aspectos da
linguagem e do conhecimento como elemento especifico daquilo que Marx denominou
"general intellect". Nas palavras de Fumagalli (2010, p.29), "a
bioeconomia nasce e se estrutura do biopoder, dando origem a sociedade do
controle". A linguagem e o conhecimento irão funcionar como mecanismo de
produção e acumulação imaterial, que são próprios do biopoder.
O biopoder para
Fumagalli (2010, p.33) está circunscrito no capitalismo cognitivo, que tem
características tecnológicas, portanto depende do corpo e da mente dos
indivíduos. Nesse contexto, procuramos acrescentar que o “general Intellect” (expressão contida na obra “Grundrisse” de Marx)
como saber difuso e aliado à tecnologia modificou inteiramente as relações
sociais, econômicas e culturais da sociedade. O saber difuso também afeta
profundamente as relações de trabalho e altera as estruturas do capitalismo,
onde a informação adquire status de poder e de ação para aqueles que a detêm.
Portanto, há aqueles que possuem e se aproveitam dos recursos informacionais,
no entanto existe uma grande maioria que são alijados do direito à informação e
de suas benesses. Sobre isso, Dantas foi bastante preciso em suas críticas, ao
dizer:
“Já se podia falar que o mundo capitalista tendia a
dividir-se entre um conjunto sócio-econômico-político bem-dotado de recursos
sócio técnico necessários ao acesso e uso da informação; e outro, muito maior,
quase desprovido de tais recursos – uma divisão que os nortes americanos, passaram
a identificar como os “have” e “have not” (DANTAS, 2002, p.195).
É esse ter ou não ter
acesso à informação, ao conhecimento e ao saber difuso, que caracteriza todo
conceito do “general intellect” colocado por Marx nos “Grundrisse”. O “general
intellect” ganhou muito mais
força nesses tempos atuais de avanços tecnológicos - do que na época de Marx –
justamente pela consolidação do capitalismo cognitivo. Mas outra característica
que se soma a tudo isso é o mercado financeiro. Pois, a financeirização é um
outro fator que caracteriza fortemente o biopoder. Pois, o acesso ao sistema de
crédito e o investimento em títulos e ações de empresas e bancos manifestam-se
simbolicamente numa atitude de poder e hierarquia. Cria-se uma relação
fiduciária, já que o dinheiro se tornou mercadoria, sendo negociada nas bolsas
valores. Neste contexto Fumagalli (2010, p.44) faz uma referência importante
dos atores que atuam no mercado, assim diz ele:
"longe de ser um lugar neutro onde, em
igualdade de oportunidades, os indivíduos negociam mercadorias entre si para
aumentar sua própria utilidade e seu próprio bem-estar pessoal, e certamente um
espaço fechado e controlado e dirigido por poucos grandes atores económicos,
que são capazes predeterminar sua dinâmica, através do poder que possuem em
termos de investimentos, tecnologias e alianças político - financeiras, assim
como as estratégias autônomas que são capazes de adotar".
A bioeconomia na ótica do
autor pavimenta-se na financeirização, sendo em suas palavras a forma mais
atual e sofisticada do biopoder. No capitalismo cognitivo uma gama de fatores
irá determinar a grande escalada bioeconômica dos mercados financeiros, que
perpassa pela crise fiscal dos Estados, expropriação das rendas do trabalho,
informatização dos mercados de ações e câmbio, expansão dos fundos de
investimentos e de pensões privados (FUMAGALLI, 2010, p.58).
Essas mudanças impactam
diretamente no “modus operandi” dos setores
produtivos, as empresas industriais deixam de ser sistematizadas na produção de
mercadorias e no amplo consumo, se posicionado ativamente no mercado
financeiro. A financeirização das empresas, no entanto, gera em si um certo
desconforto para a classe trabalhadora atual, que se vê ameaçada por não ter
mais seus postos de trabalho, além da redução salarial e dos direitos
trabalhistas, sobretudo o enfraquecimento das entidades sindicais e de
representação.
O desenvolvimento tecnológico no
atual sistema capitalista não foi suficiente em desenvolver a ampla inclusão
das classes mais pobres na divisão da riqueza, ao contrário, aprofundou o
abismo da desigualdade social. O capitalismo cognitivo simplesmente cortou o nó
existente entre o Estado de bem-estar social e a população, para que o
neoliberalismo pudesse adentrar e sugar todo e qualquer resquício de políticas
públicas.
Alega-se com isso, que a sociedade
precisa avançar e abrir espaço para uma economia da informação e o indivíduo
produza e reproduza seus próprios meios de subsistência, seja ele -
empreendedor – sem necessidades de serviços públicos e nem mesmo um patrão,
acabou a política salarial. Está posto a grande farsa de um neoliberalismo, que
faz acredita que seremos vencedores ao investir no mercado financeiro, comprando
títulos, ações e contratos futuros para receber juros e dividendos. Muitos
destes ativos financeiros são empacotados num conjunto e não condizem com a
situação financeira das empresas.
Então, no capitalismo cognitivo
sai de cena o trabalho na fábrica, a produção de mercadorias, a regulamentação
das leis trabalhistas, e entra no palco o controle social, o individualismo e o
mercado financeiro com o mote de que todos podem ser investidores, isso
representa a assunção do sistema bioeconômico.
Para que a bioeconomia,
de fato, se instale no cerne da sociedade, há uma necessidade de retirar do
palco as amarras do Estado, ou como eles chamam - processo de flexibilização,
que envolvem a desregulamentação de leis protecionistas; destituição de
políticas públicas, desmonte de serviços públicos e financiamento para empresas
privadas com o dinheiro público.
Os mercados financeiros
conforme Fumagalli estão longe de representar a forma arcaica e improdutiva do
capitalismo, pelo contrário, os aspectos mais modernos e inovadores do
capitalismo cognitivo, são variáveis centrais do novo modelo de acumulação: linguagem
e intelecto geral, que definem, por sua vez, as convenções sociais a partir das
quais as novas formas de controle político e econômico.
A evolução da bioeconomia,
ou da economia da informação, não importa a denominação, já que adentramos num
sistema capitalista, cujas raízes da produção foram podadas e se mantém apenas
sob o crivo dos elementos: finanças e tecnologias da informação. E não há uma
uniformização desses elementos no mundo - mas sim a dependência de algumas
nações por eles - como explica Dantas:
A sociedade que não desenvolvem tecnologias da
informação, com todas as relações e agenciamentos sociais nelas envolvidas,
tendem não somente a ser sub-informadas em relações aos países capitalistas
centrais; como também a exigir, dentro de suas fronteiras, divisões ainda mais
profundas entre suas minorias um tanto ricamente informado e a sua grande
maioria pobremente informadas. Aquelas minorias, de algum modo, buscarão ser
parte da “sociedade da informação” global, mesmo vestindo grotescas fantasias
de “primeiro mundo”, como tantas que a classe média brasileira gosta de exibir
ridiculamente. Quanto às maiorias, não lhe restará muito mais do que uma violenta
e abjeta exclusão social. Sub-informação: eis o novo nome para o
subdesenvolvimento nesta nova etapa da evolução capitalista (2002,
p.198-199).
Hoje, o que impera no mundo não está
mais embalado em caixas e papéis de presente, nem mesmo precisou de gastar oito
horas de trabalho para ser produzido por operário japonês, alemão ou
brasileiro. A mercadoria - a vedete das prateleiras - em seu espetáculo não
requer mais público, por não mais existir. Agora, a mercadoria da vez é a
informação, o conhecimento que reside nas mentes humanas dotadas de
criatividade, inovação e habilidades para exercer o trabalho intelectual.
Para compreendermos a
dinâmica do trabalho intelectual no capitalismo cognitivo, faz-se necessário
entendermos as diferenças intrínsecas do que Fumagalli (2010, p.133) determina
de produção material (hardware), produção linguística (software), produção de
conhecimento (wetware) e produção de network (netware). Essa esfera da produção
que engloba o material e o imaterial permite a criação de um enorme volume de
riqueza. O termo wetware é usado para descrever a integração de conceitos da
construção física, conhecida como “sistema nervoso central” e a construção
mental, ou seja, a “mente humana”. Wetware pode indicar o ser humano como
síntese do software e do hardware.
A partir dos anos
setenta, temos uma verdadeira revolução tecnológica que altera completamente o
mundo empresarial. O uso de ferramentas gerenciais como: planejamento
estratégico, estudo de cenários, ciclo PDCA, análise SWOT substitui, nas
empresas, a engessada burocracia e as rígidas rotinas de produção. No final do
século XX, assistimos grandes transformações estruturais no mundo corporativo,
tais como: mudanças tecnológicas, a qual Fumagalli (2010, p.148) aponta que as
tecnologias linguística-informáticas vieram como instrumento para facilitar e
automatizar os processos de produção. Acrescenta se nesse contexto, o
incremento de novas estratégias produtivas como: outsourcing, downsizing e o “lean production” que são características
estruturais de um pós-taylorismo inerente ao capitalismo cognitivo.
Ainda sobre esse
paradigma pós-taylorista Fumagalli (2010, p.149) descreve como as relações de
trabalho foram inteiramente transformadas por causa das crises do Estado e o
desmantelamento do bem-estar social. Inclui-se nessa conta a financeirização, a
liberalização mercado de capitais e a decomposição do mercado de trabalho, que
alterou profundamente a distribuição das rendas. No entanto, mesmo num Estado
neoliberal o governo ainda assume um papel de salvaguarda do setor privado, ao
criar políticas de desenvolvimento de distritos industriais, desregulamentar
direitos trabalhistas, realizar privatizações de empresas públicas e oferecer
linhas de créditos de baixo custo para empresas privadas.
A globalização conforme
Fumagalli (2010 p. 151) trata-se de um processo de evolução econômica e
produtiva induzida pelos processos de reestruturação do capitalismo, ocorrido
após a crise do paradigma fordista dos pós-guerra. A globalização modificou
inteiramente o modo de produção e a distribuição de renda. Junto ao
desenvolvimento das novas tecnologias de informação tem permitido que a
produção seja controlada à distância. É mais que uma revolução tecnológica na
visão de Fumagalli, sendo um modelo de organização geoeconômica.
Se no fordismo o poder
estava na propriedade, agora, no mundo pós-fordista, é o controle a principal
fonte de poder. É um controle direcionado sobre os fluxos imateriais de
produção (tecnologias de informação e comunicação em primeiro lugar) e sobre os
componentes imateriais de produção (linguagem e trabalho imaterial cognitivo).
(FUMAGALLI, 2010, p.154).
Para suprir e ampliar
essa necessidade de consumo interno, de demanda exterior e ao mesmo tempo
mitigar a crise monetária do modelo fordista, o Estado apresenta-se como
solução viável para custear as carências de demandas internas, externas e
exterior, através da injeção de moedas. No entanto, esses crescentes gastos do
Estado na economia têm gerado um enorme déficit público. Portanto, é nessa
crise do capitalismo produtivo que teremos o momento de transição para um novo
paradigma, denominado de capitalismo cognitivo. Esse novo paradigma na visão de
Fumagalli (2010, p.164) tem como características a realização de uma produção
imaterial cognitivo fundamentada em elementos inovadores que modifica
imensamente as ferramentas inerentes ao modelo fordista: demanda interna,
demanda externa e demanda pública.
Com o avanço do
capitalismo cognitivo, por volta dos anos 90, na qual o neoliberalismo começa a
adentrar em várias nações, percebe-se o fortalecimento dos mercados
financeiros, ondas de privatização. Em contrapartida, há um desmantelamento do
Estado e de suas instituições públicas, onde as políticas de bem-estar social,
como previdência, saúde e educação deixam de ser assegurados ao cidadão. Tais
serviços que eram públicos, agora são vendidos à população pela iniciativa
provada e sem garantia de qualidade e gratuidade, fator que gera um enorme
abismo social.
No capitalismo
cognitivo, a comunicação e a produção estão entrelaçadas, algo que não se via
no paradigma fordista. Como diz Fumagalli (2010. p.168) a conexão entre
comunicação e produção é cada vez mais globalizada, onde o ato de consumo
envolve ao mesmo tempo participação na opinião pública, nos atos de comunicação
e no marketing. São estas relações que fazem do capitalismo cognitivo um
sistema de práticas linguístico-comunicativas que influencia diretamente o
comportamento e o consumo, há uma louca exigência de pertencimento.
A marca do capitalismo
cognitivo, não está na mercadoria, pois, o homem é a própria mercadoria,
vive-se a sociedade do espetáculo de Guy Debord, na qual somos atores e
espectadores ao mesmo tempo, o verdadeiro espetáculo está nas relações sociais
constantemente midiatizadas. Na verdade, não consumimos produtos, mas sim
símbolos e imagens criadas pelos meios de comunicação e pela publicidade de uma
produção imaterial.
De encontro a essa
ideia de sociedade do espetáculo, em que nós, seres humanos, somos a
mercadoria, Fumagalli (2010, p. 172) alinha-se a Guy Debord ao falar que o
processo de acumulação ao envolver o indivíduo, tona-se um processo
bioeconômico (processo econômico que em sua totalidade é um ato linguístico e
de comunicação).
Fumagalli (2010, p.184)
nos diz que atualmente o sistema capitalista estaria em viés de ser superado e
que novos atores estariam sendo introduzidos nos modelos de produção baseados
em sistemas de redes. Para o autor, isso desenvolve uma cooperação entre os
fatores produtivos, que supera a dicotomia capitalista entre trabalho e
capital. Dessa maneira, podemos dizer que o capitalismo cognitivo, ao contrário
do antigo modelo fordista, introduz novas formas de divisão do trabalho,
sobretudo aquelas que permitem o acesso ao conhecimento.
O capitalismo cognitivo
como afirma (Fumagalli, 2010, p.199) trouxe em si novas formas de trabalho cada
vez mais precárias. A precarização do trabalho é um fenômeno do neoliberalismo,
que se deu com o fim das políticas públicas de bem-estar social e as terríveis reformas
trabalhistas que retiram direitos conquistados durante as lutas sindicais, no
período do capitalismo industrial.
De certa forma, o
trabalho intelectual tem influenciado negativamente no aspecto cultural. Pois,
com a padronização dos processos de comunicação por meio das tecnologias de
informação percebe-se claramente um esvaziamento das atividades intelectuais
frente a sua mecanização e banalização (FUMAGALLI, 2010, p.201).
Enfim, o que
caracteriza o conceito de bioeconomia é justamente essa ligação intrínseca
entre vida e trabalho, o que quer dizer que vida e trabalho fundem-se numa
coisa só. A partir do momento que compreendemos essa relação vida - trabalho,
passamos a entender a dinâmica da biopolítica no interior do capitalismo
cognitivo.
Na bioeconomia de
Fumagalli, o conhecimento equivale a mercadoria e o dinheiro, sendo que no
processo de acumulação - conhecimento produz novos conhecimentos e
consequentemente gera mais valor. O trabalho deixa de ser medido pelo tempo,
pois o que vale é a imaterialidade do saber e do fazer, donde, exploram-se as
trocas de conhecimento. Como a vida e trabalho não se separam no capitalismo
cognitivo, a exploração invade o ser humano até em seu íntimo.
Dentro do capitalismo
cognitivo, segundo Fumagalli (2010, p.238) a alienação do trabalho move-se mais
sobre um plano existencial, do que sobre o plano econômico-material, assumindo
a forma da frustração subjetiva, que a atua no nível psicológico, ou seja, na
capacidade cognitiva e na intelectualidade do homem contemporâneo. Portanto,
essa alienação existencial tem trazido uma série de perturbações humanas como
as doenças mentais, tão características desse século XXI. Para compreender mais
sobre a alienação existencial, o conceito é bastante discutido nas obras dos
filósofos existencialistas, que engloba Jean Paul Sartre, Sören Kierkegaard,
Maurice Merleau-Ponty, Simone de Beauvoir e outros. Neste livro não pretendemos
dissecar as obras destes autores, ficando apenas como referência para uma
leitura posterior.
Neste espaço que
circula o capitalismo cognitivo, a subjetividade age num ambiente de
colaboração social, porém o individualismo em termos econômicos e relações
sociais, para Fumagalli, converte-se em uma produção alienante. Outro aspecto
relacionado à alienação no capitalismo cognitivo é a regulação das relações de
trabalho que impede as práticas de cooperação social e as trocas de
conhecimentos, Fumagalli (2010, p.241) mostra que essa regulação se converge
para o individualismo e hierarquização das relações de trabalho, o que abre
precedente para toda forma de exploração.
Portanto, essa mudança
de paradigma do capitalismo fordista pautado na produção material - de
mercadorias físicas - para um
capitalismo cognitivo de imaterial, em que a tecnologia, a linguagem, o
trabalho e a vida estão fundidas numa coisa só. Assim, entendemos que o sistema
capitalista retira da sociedade o conceito de "homo economicus" e
insere a noção de "homo bioeconomicus", ou seja, o corpo e a mente
humana são mercadorizadas.
A bioeconomia, explica
Fumagalli, é um aspecto complementar e simétrico da biopolítica, ou seja,
atravessa o indivíduo física e socialmente com adoção de mecanismos de
controle. O conceito de bioeconomia nos remete a uma crítica das relações de
poder direcionadas à expropriação de valor, sendo inerentes ao capitalismo
cognitivo. (FUMAGALLI, 2010, p.261).
A função do
conhecimento e do saber está focado no processo de acumulação que se manifesta
no trabalho imaterial do capitalismo cognitivo, portanto seu foco ira se fixar
na produtividade do corpo e da mente como elemento preponderante para as atuais
redes de produção biopolítica. Cria-se a figura do corpo biopolítico coletivo
que se situa numa relação dinâmica e conflituosa (FUMAGALLI, 2010, p.264).
Na linguagem, as
palavras assumem o papel de código normativo que permite a sistematização da
produção social, sobre isso Fumagalli aponta que a linguística é o elemento
mecânico da produção bioeconômica, que utiliza a palavra como meio de comunicação,
relacionamentos e afetos.
Para Fumagalli a criação
de riqueza e o processo de acumulação do capitalismo cognitivo está fundamenta
em três pilares: formação, aprendizagem e cultura. Na formação incluímos a informação,
o saber e conhecimento (FUMAGALLI, 2010, p.270).
A produção bioeconômica
é resultado de uma estrutura de fluxos, cada vez imaterial, que assume uma
forma de redes, uma estrutura central de fluxos, que pressupõem redes
linguísticas de comunicação e o desenvolvimento da cooperação social
(Fumagalli, 2010, p. 272).
No capitalismo
cognitivo, a criação de valor baseia-se no processo de expropriação daquilo que
Marx denomina de "general intellect", em função da acumulação
privada. O general intellect é resultado do processo de cooperação social que
serve de base para o processo de acumulação e permite transformar conhecimento
tático em conhecimento explícito, que produz valor no sistema capitalista
(FUMAGALLI, p.274). Portanto, na bioeconomia o conhecimento só adquire valor
ser for capaz de ser compartilhado entre os indivíduos, ou seja, socializado.
Então, com isso podemos que a socialização do conhecimento depende dos signos e
símbolos da linguagem.
Quando falamos do
comum, no sentido da coletividade, imediatamente falamos também do sujeito e de
suas contradições no espaço social e no cotidiano. Pois, o comum está sempre em
conflito com imaterialidade do processo bioeconômico de acumulação.
No capitalismo
cognitivo esse desmantelamento do Estado de bem-estar social culminou no fim
das políticas de proteção social consequentemente agravou a distribuição de
renda, acentuando ainda mais a precariedade daquela parcela mais pobre.
O "general
intellect" de Marx é justamente, segundo Fumagalli (2010, p.280) o
resultado deste processo de cooperação social do comum, sendo amplamente
expropriado pelo capital privado.
O Estado assume papéis
totalmente diferentes na sociedade, quando passamos da economia industrial
fordista, para o capitalismo cognitivo. No primeiro, de acordo com Fumagalli (2010,
p.290) o Estado, dentro pacto social fordista, tem como função definir
políticas económicas fiscais e monetárias adequadas. No segundo, devido a força
do capital financeiro e a globalização, o Estado se vê impedido de elaborar
políticas, sejam econômicas ou fiscais, de forma autônoma.
No capitalismo
cognitivo as formas de representação e participação ficam fragmentadas, o que
desfavorece a concepção de políticas públicas efetivas, como por exemplo, os
programas de renda mínima - próprios de uma democracia progressista.
Em algum momento,
poderíamos afirmar que o capital possui vida própria, porém depende de seus
operadores (investidores, mercado, traders,
analistas financeiros) para que possa crescer e multiplicar, do contrário ele
mal sobreviveria.