segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Cinema: uma crítica nem tão sútil ao neoliberalismo

 

A realidade política e econômica não se apresenta somente nos meios impressos (páginas de livros, jornais e revistas). Nas telas de cinema, produtores, diretores, roteiristas e atores colocam suas críticas - mesmo que veladas, ou não - a respeito dos sistemas econômicos, dos excessos provenientes das grandes corporações, dos governos ditatoriais, dos preconceitos de raça, sexo ou classe social. Um filme, por mais sútil que pareça, traz em si uma certa carga crítica, um pano de fundo revestido com alguma mensagem. Outros filmes, já colocam sua temática em aberto, buscam transmitir uma reflexão, mais ou menos profunda. Críticas ao neoliberalismo também permeiam a linguagem cinematográfica, sejam em dramas, comédias ou ficções, a profundidade do tema vem à tona nas ações de seus personagens.

Em suma, a linguagem cinematográfica mostra-se um excelente ponto de referência para explicarmos essa dinâmica das desigualdades sociais, das misérias humanas, provocadas pela transição do capitalismo fordista para o capitalismo financeiro atual. Um filme - às vezes - é muito mais mero que entretenimento, as imagens geralmente estão carregadas de mensagens subliminares, ou mesmo, de conteúdo reflexivo. Portanto, vamos abordar aqui dois filmes, entre centenas ou talvez milhares, que mostram não tão sutilmente os efeitos nocivos do neoliberalismo na vida cotidiana.

O primeiro deles - They Live  (Eles Vivem) é um desses filmes que nos faz pensar o quanto o capitalismo pode ser desigual e alienante. O filme escrito e dirigido por John Carpenter em 1988 trata-se de uma ficção científica, ao mesmo tempo satírica e violenta. O protagonista John Nada é mais um homem comum em busca de trabalho que sobrevive num Estados Unidos dos anos 80 marcado por um período de inflação, desemprego e crescente desigualdades sociais. No entanto, John consegue um trabalho na construção civil e passa a morar num acampamento de sem-tetos. A revelação vem durante uma opressiva operação das forças policiais, que destrói os barracos, tenta expulsar os sem-tetos e prende algumas pessoas, ali alojadas.

Durante essa confusão, o nosso personagem, John, encontra uma caixa de óculos escuros, ao colocar um deles em seu rosto descobre que a elite não passam de seres alienígenas escondendo, que disfarçados na forma humana manipulam as pessoas para consumir e também aceitar as desigualdades, utilizando-se dos meios de comunicação e intensivas propagandas. Os óculos trazem à tona a verdadeira face dessa elite alienígena que detém o poder financeiro e a capacidade de manipulação via antenas de TV. O filme em si traz uma abordagem política, social e econômica características dos anos 80, período de uma desindustrialização própria do fordismo com forte entrada de medidas neoliberais que objetivavam a redução dos gatos públicos, dos impostos sobre os ganhos de capital e da economia, ampliando a diferença de rendas entre ricos e pobres, que culminou no aumento de sem-tetos (demarca o fim do Estado de bem-estar social). Além de abordar a questão da exploração e da servidão humana de forma bastante velada.

Já o filme High-Rise (No topo do poder), 2014, dirigido pelo Britânico Ben Wheatley, produzido por Jeremy Thomas e baseado na obra homônima de James Graham Ballard. O filme situa-se no fim da década 70, período emblemático em que as ideias neoliberais começam a despontar na Inglaterra e no mundo, tendo como ambiente um enorme edifício de luxo, da qual recebe um novo morador, o médico Robert Laing. Logo, o protagonista, que ocupa uma posição mediana no prédio, se vê numa briga entre os moradores dos andares superiores e inferiores. Essa desavença entre os residentes revela uma luta de classes própria do sistema capitalista, em que os ocupantes dos andares superiores (a suposta elite) culpam os moradores dos andares inferiores pelo mal funcionamento das estruturas do edifício. É daí que desencadeia toda confusão, que provoca ações revoltosas levando ao mais completo caos. O edifício trata-se de uma alegoria, um arquétipo da sociedade, que como tal divide-se em classes sociais e cujas desigualdades tornam-se evidentes. No entanto, essas desigualdades não são aceitas por aqueles que ocupam as camadas mais inferiores, desdobrando-se em manifestações, muitas vezes violentas.

Um destaque importante no filme é em relação ao protagonista, que por pertencer aos patamares medianos, se vê expulso da festa temática da elite que reside os andares superiores. High-Rise (No topo do poder) nos dá uma sátira de um microcosmo distópico em que as diferenças sociais podem acirrar os ânimos e tornar o confronto inevitável. Outro ponto a ser destacado no filme, faz referência ao arquiteto que projetou o prédio - morador da cobertura, como alguém que a princípio seria o controlador de tudo. Alegoricamente, poderíamos comparar o arquiteto como um criador, uma espécie de tecnocrata que detém o poder para interferir nos modus operandi daquela sociedade microcósmica. Porém, este suposto poder do arquiteto não se configura, dado que ali introduziu-se um ambiente de guerra, caótico e impossível de governar a partir do momento em que a democracia foi rompida.  Enfim, o filme trate-se de uma crítica social e econômica daquilo que vivemos hoje no mundo neoliberal, colocando em pauta as desigualdades, o preconceito e principalmente onde poderá se chegar caso essas diferenças tornem-se ainda mais abissais. Pois não estamos muito longe de uma convulsão classes.  Ambos os filmes trazem em sua temática problemas cotidianos, questões ligadas as diferenças sociais e as desigualdades de renda. Percebe-se que os dois filmes têm como palco a cidade grande, local em que as pessoas procuram realizar seus desejos, obter oportunidades e desenvolver-se profissionalmente. No entanto, acabam frustradas nessas ilusões meramente capitalistas.        

 


Natureza

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