Algum tempo atrás eu havia feito um pequeno texto sobre a cidade que encontra-se no meu livro: "Desconexão do mundo contemporâneo: narrativas em economia-política. Então, faço agora um retorno ao assunto com maiores destaques para algumas minúcias que não foram abordadas anteriores. Dessa maneira, eu introduzo com uma importante parte da letra da música "A cidade" do saudoso Chico Science da banda Nação Zumbi. Assim diz ele que: "A cidade não para, a cidade só cresce, o de cia sobe e o debaixo desce... A cidade até está mais ou menos, uns com mais e outros com menos... A cidade encontra-se cada vez mais prostituída..." Essa é a realidade de nossas cidades neste Brasil gigante, crescimento desordenado, falta de planejamento público, aumento vetiginoso da violência e da insegurança na ruas, espaços púlicos tomados por usuarios de drogas e pessoas sem tetos que sobrevivem nas ruas e debaixos das marquises e viadutos. A cidade divide-se naqueles que se abrigam nos morros das favelas, cortiços e construções precárias de uma zona leste qualquer, enquanto nos condominios de luxos e mansões da zona sul imperam a riqueza e a opulência dos donos da cidade, dos imperadores e reis do capital. O avanço da especulação imobiliária que a gera a gentrificação, em que os imóveis antigos e os aluguéis baratos deixam de existir e assim expulsam os menos afortunados, numa migração forçada para as periferias e bairros distantes. No entanto, outros problemas aparecem com o crescimento desordenado das cidades. Aqui podemos exemplificar a mobilidade urbana, como conceito intimamente ligado ao caminhar, ao transitar pelas vias da cidade, isso nos dá ideia de uma rede, um sistema que envolve fluxos e contrafluxos numa distribuição dinâmica de toda infrastrutura viária. A mobilidade urbana teoricamente seria o caminho lógico de uma infraestrutura viária para que as pessoas pudessem se locomover nos arredores centrais da pólis. Porém, as vias disputam máquinas e homens numa batalha ferrenha, cujos homens sempre perdem. Vencem as máquinas. Do outro lado, há aqueles alijados do espaço público urbano, quando não vivem nas ruas, se amonatoam nos assentamentos precários marcados pela insegurança, pobreza, desemprego e todo tipo mazela social, A mais completa falta de dignidade humana. Fator esse que denominamos vulnerabilidade social, justamente pela dificuldade de acesso aos recursos básicos de higiene e renda. Essa divisão dos lugares citadinos provêm de uma certa segregação espacial histórica dotada de preconceitos, exploração e a manutenção de privilégios de algumas poucas famílias herdeiras do antigo patriarcado, que não deseja a mudança do status quo. Por isso, cabe-nos reinvindicar o espaço da cidade, primeiro por pertenecer ao povo, ao coletivo. É aí que entra a noção de comum, sendo aquilo que é de todos. O espaço urbano pertence ao seu Zé, a dona Maria e ao povo que nele habita, dado que se trata de uma construção social, histórica, justamente por estabelecer aspectos de conexão entre os individuos e grupos. E ao mesmo tempo a cidade, em seu aspecto físico, torna-se uma geradora de conflitos devido ás enormes diferenças culturais, sociais e econômicas. A partir deste ponto, vai carecer de planejamento e gestão para pelo menos atenuar tais conflitos, produto de uma segregação espacial subsidiada pelo avanço do capital. Digo então, a segregação espacial jamais deveria ser enxergada com as lentes da normalidade, se o espaço da cidade pertence ao âmbito do coletivo. Qualquer cisão passa a ser uma afronta aos direitos e a liberdade das pessoas. Andar pelas calçadas e vias do espaço urbano e não ser agredido, apedrejado ou atropelado por máquinas, animais ou seres humanos consta como uma liberdade, um direito mínimo. Mas também, abolir as desigualdades entre áreas nobres e periferia - que talvez para muitos pareça um sonho utópico marxista, ou talvez coisa de comunista - na verdade poderia ser feito com vontade política, enfim o direito a dignidade humana contempla toda sociedade e inclui o indivíduo. As políticas públicas pertencem a todos, assim como a cidade e devem mitigar o caos e prever a locomoção e o bem-estar. A exemplo, ciar corredores que permitam o fluxo do trânsito caótico, investir em novos modais de transporte público mais eficazes, principalmente aqueles que atendam as necessidades dos residentes dos bairros periféricos por despenderem de maiores gastos em condução. O que de fato irá produzir efeto nas políticas públicas do espaço urbano será a participação democrática nas arenas públicas - como área de ação e decisão de embate público e social - visando a construção de uma governança dotada de uma rede de organizações, instituições e atores para agirem num processo interativo de tomada de decisões. A construção do espaço urbano se faz por meio de uma trama enredada por diversos atores sociais que tem comum um plano diretor, cuja finalidade está na setorização da cidade e nas melhores práticas da políticas públicas que possam vencer os velhos problemas decorrentes do tempo. Agora, querer entregar concessões e privatizar serviços básicos ou mesmo essenciais à iniciativa privada - por achar que o problema será solucionado - é a completa destruição das instituições republicanas e democráticas. Pois, é não compreender que o bem público pertence a população, nesse mesmo sentido a cidade e seus espaços são do povo e jamais devem ser mercadorizadas. Não se coloca preço nos recursos naturais; àgua, o ar, o fogo,a terra é livre e coletiva. O mesmo ocorre com o saber e o conhecimento, frutos do compartilhamento e do uso que são impagáveis.